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Conversas no subsolo – algumas perguntas e etc

Relato sobre a mesa: Artistas, mediação e etceteras, Niterói 20/11/16

Por Diana Kolker

 

 

Artistas, mediação e etceteras, a mesa compartilhada por Bianca Bernardo, Raquel Garbelotti e Ricardo Basbaum abriu a edição fluminense dos encontros interestaduais de mediação na arte contemporânea, que reuniu diversos profissionais atuantes na interface entre arte e sociedade para pensar a atuação dos públicos. O encontro, coordenado por Marcia Ferran e Adriana Russi com a colaboração de Luiz Guilherme Vergara, aconteceu no auditório do MAC de Niterói, situado no subsolo do museu-obra de Oscar Niemeyer, no dia 20 de novembro de 2016. O público presencial foi composto pelos convidados das demais mesas, artistas, curadores, educadores e estudantes de produção cultural da Universidade Federal Fluminense, do campus de Rio das Ostras.

 

Conforme nos narrou Marcia Ferran, o título Artistas, mediação e etcteras foi inspirado no livro “Manual do artista-etc”, de Ricardo Basbaum1, em que o autor pensa o transbordamento da figura do artista para além da função de produtor de objetos de arte, tornando-se agenciador, curador, crítico etc. Não por acaso a mesa reuniu artistas cujas práticas convergem para o agenciamento a fim de pensar a mediação como parte intrínseca do processo artístico, realizada pelo ou com (e não para) os públicos.

 

O presente relato é um exercício narrativo e a partilha de um apanhado de questões que emergiram das apresentações. Visto que as conversas aconteceram no subsolo do museu, busquei extrair algumas perguntas que corriam também no subsolo das falas de cada convidado, conectando-se aos demais por caminhos subterrâneos. Tais questões guardam em comum a potência de se converterem em instigantes pontos de entrada para pensarmos a mediação na arte. A partir desses acessos, espera-se, o pensamento pode se mover de forma autônoma e abrir caminhos para direções inesperadas.

 

Apesar de o termo mediação ser bastante adotado, debatido e pesquisado nos circuitos relacionados às artes visuais, seu emprego encontra variados sentidos. Conforme a etimologia da palavra, que vem do latim mediatione, a mediação é a atividade de estar no meio, entre dois (ou mais) polos. O mediador, portanto, é o elemento ou o sujeito que estabelece relação entre as partes. Usualmente, quando falamos em mediação no contexto das artes visuais, estes polos correspondem aos objetos de arte e aos públicos. Referimo-nos especialmente às práticas dos sujeitos que atuam nessas interfaces através de estratégias pedagógicas. Podemos ainda, identificar como mediadores uma série de elementos como os textos críticos e curatoriais, notícias divulgadas pelos meios de comunicação, a museografia e arquitetura dos espaços expositivos, etc. No entanto, o que acontece quando os artistas ultrapassam o lugar de produtores de objetos e tornam-se agenciadores? O que acontece quando o sentido da obra de arte não está “apenas” no objeto, em seus diferentes níveis, quando o objeto é o processo de experiência que envolve participantes? Podemos ainda operar através desta divisão entre polos – objeto x processo, obra de arte x público, produção x recepção? O que significa ser mediador nestes casos? Que mediação é possível e/ou necessária? Essas e outras perguntas vibraram nas falas dos convidados, ora se manifestando de forma mais evidente, ora circulando silenciosamente abaixo de nossos pés.

 

Ricardo Basbaum nos apresentou uma peça de áudio que compõe a obra Conversas Coletivas, de sua autoria. A obra se estrutura através de etapas, que incluem a produção compartilhada de um roteiro escrito, a performance de sua leitura para uma pequena audiência e a exibição de uma instalação, que conta com o material sonoro gerado pela gravação da leitura performada. O trabalho construído de modo colaborativo, “algo que só existe com a ativação da recepção, de modo genérico, o público”, dialoga com as questões lançadas no presente relato e aponta para outras mais. A começar pelas variações que o termo público pode assumir. Conforme Basbaum, este termo não é mais preciso, porque envolve várias camadas de encontro com as obras. Desde aquele visitante que entra por acaso na exposição, se relacionando com as obras como um espectador, mas também aqueles mais especializados, que se envolvem institucionalmente com os trabalhos e os fazem acontecer. Que lugares ocupam seus colaboradores em relação à obra? Poderiam ser considerados simultaneamente os coautores e o público primeiro? Poderia o artista ocupar simultaneamente o lugar de criador, mediador e público da obra que agencia? Que práticas podem ser adotadas como estratégias de mediação quando esta obra assume sua etapa expositiva? A mediação entre público e obra favorece ou impede que os sujeitos vivam uma experiência artística?

 

Juntamentz, palavra do dialeto pomerano2 que significa mutirão, é o título do trabalho apresentado por Raquel Garbelotti, que tem origem num projeto de iniciação científica desenvolvido pela artista e estudantes da Universidade Federal do Espírito Santo, onde leciona. O projeto foi realizado junto à comunidade pomerana e contou, entre suas pesquisadoras, com duas integrantes da comunidade.   Os resultados deste projeto foram dois excertos fílmicos que friccionam o conceito de representação tanto do ponto de vista etnográfico quanto cinematográfico. A artista pensa ainda as audiências das obras através das interferências provocadas pelo encontro com os diferentes públicos e espaços onde as obras são expostas. Como o termo mediação pode ser pensado nestes trabalhos? A atividade de tradução pode ser considerada uma mediação? Poderíamos pensar esses trabalhos como uma  mediação entre os campos da arte, cinema e etnografia? Seriam as próprias obras os elementos mediadores entre as pessoas? A participação de duas integrantes da comunidade no projeto as condicionam no papel de representantes ou mediadoras desta comunidade? Ou, ao contrário, possibilita uma relação sem mediações?

 

A fala que encerrou a mesa foi realizada por Bianca Bernardo, artista, educadora e gestora, que coordena a ação Educativa do Museu Bispo do Rosário de Arte Contemporânea, situado dentro de um complexo municipal de assistência à saúde mental, conhecido como Colônia Juliano Moreira,  na Zona Oeste do Rio de Janeiro. Sua apresentação contou com a colaboração de Evanildo, mediador da instituição e usuário do serviço de saúde mental. O Museu Bispo do Rosário de Arte Contemporânea promove diversos programas envolvendo a comunidade do entorno, estudantes, professores, usuários e profissionais do sistema de saúde mental e pessoas atuantes nos contextos das artes visuais. Além das exibições do acervo – que inclui as obras do Bispo do Rosário - a instituição conta com a colaboração de curadores, que realizam programas e exposições de arte contemporânea. Em sua fala Bianca Bernardo analisou alguns acontecimentos vividos durante o recente programa curatorial de Daniela Labra. A exposição, que pensou e experimentou uma possível performatividade na obra de Bispo do Rosário, não apresentou unicamente objetos de arte, mas processos, encontros, acontecimentos e experiências. Segundo Bianca Bernardo o encontro entre artistas, educadores e público no espaço institucional criou uma zona de indiscernibilidade entre arte, educação e clínica, colaborou para a criação de novas possibilidades de mediação entre o museu e seu público, ao passo que reinventou e ressignificou cada uma dessas categorias, movimentando os lugares, papéis e possibilidades de seus agentes. Podemos pensar as práticas de mediação como forças que operam transformações não somente no público, mas também na própria instituição?

 

Sobreposição, mistura, atrito, dissolução, contágio, choque, abalos sísmicos ou fusão? Segundo Luiz Guilherme Vergara (2013), as mudanças atuais nas práticas artísticas são movidas por um clamor ético-estético que ultrapassa o primado da visualidade para atuar numa zona híbrida, promover acontecimentos de solidariedade, microgeografias de encontros, práticas colaborativas com atenção ao ambiente, aos afetos e aos processos de subjetivação. No entanto, nas instituições de arte, “podemos reconhecer a resistência poética da arte convivendo com a sua institucionalização ou espetacularização, a macro com uma microgeografia de acontecimentos solidários (VERGARA, 2013, p.67)”.3 As estratégias de mediação podem ser pensadas como pontos de encontro e contato entre as práticas artísticas, educativas e curatoriais no contexto das artes visuais. Todavia urge pensar os efeitos dessas práticas nos espaços de interação social com a arte, percebendo os públicos (em sua pluralidade) para além do papel de consumidores, mas como possíveis coautores e colaboradores nos processos que engendram a própria instituição.

 



[i] Povo originário da extinta Pomerânia, na região do Mar Báltico, entre as atuais Alemanha e Polônia. Imigraram para o Brasil e Estados Unidos, no século XIX, formando comunidades onde alguns costumes e o dialeto foram preservados.

[i] VERGARA, Luiz Guilherme. Dilemas éticos do lugar da arte contemporânea. Acontecimentos solidários de múltiplas vozes. In: Visualidades, Goiania v 11, n.1, p.59-81, jan-jun 2013.