Relato Crítico do Encontro de ex-Ministros da Cultura no IEA-USP
A reunião de cinco ex-Ministros da Cultura de diferentes governos desde a redemocratização no Instituto de Estudos Avançados da USP no último dia 2 de julho discutiu o desempenho e os direcionamentos atuais da área pelo governo Jair Bolsonaro. Luiz Roberto Nascimento Silva (Governo Itamar), Francisco Weffort (Governo FHC), Juca Ferreira (Governo Lula), Marta Suplicy (Governo Dilma) e Marcelo Calero (Governo Temer) se reuniram para produzir um documento a portas fechadas e em seguida receberam jornalistas e convidados para divulgar o manifesto escrito em conjunto.
Mesmo representando diferentes espectros políticos e assim tendo diferentes entendimentos sobre diversos assuntos, como o que é Cultura, como trabalhar em nível nacional, como fazer a interlocução das propostas culturais com a sociedade e como financiar a cultura, o empenho pelo esforço conjunto em defesa da área foi notável durante a coletiva e também no manifesto publicado. Ao buscar perspectivas comuns, os cinco ex-Ministros articularam o manifesto e suas respostas à imprensa em torno da denúncia da extinção do MinC e também da crítica à demonização da cultura presente na visão do novo governo.
Com abertura do diretor do Instituto de Estudos Avançados da USP, professor Paulo Saldiva, o evento integra uma série de encontros com outros ex-Ministros de diferentes áreas que acontecem no IEA. Já se reuniram ex-Ministros do Meio Ambiente, da Educação e da Justiça.
A ex-Ministra do Governo Dilma, Marta Suplicy, deu início a sua fala denunciando o retrocesso no meio cultural, principalmente com relação à extinção do MinC. Também apontou o paradoxo entre o reconhecimento internacional das produções culturais do país e a atual desvalorização e corte de verbas para setores importantes dessa produção, como é o caso do audiovisual.
Luiz Roberto Nascimento Silva apontou que mesmo em momentos de crise econômica a área da cultura não deve ser prejudicada. O recurso para ações culturais não é um recurso menos nobre e sempre traz resultados. Para o ex-Ministro do Governo de Itamar Franco o que não ajuda é a transformação do ministério em secretaria, pois isto se relaciona com a asfixia econômica e produtiva do setor.
Juca Ferreira por sua vez apontou que os recentes acontecimentos na área da cultura tem relação muito próxima com o que ocorre com as universidades do país, perseguições ao livre pensamento e produção científica por meio do corte de verbas. Ele destacou que na cultura há a valorização do embate, da discussão e da convivência dos diferentes, o que representa um caráter democrático que deve ser respeitado. Pela atuação do Estado é preciso defender essa posição e o meio artístico tem grande importância nesse papel.
Dando ênfase às políticas públicas de longa duração, Marcelo Calero apontou a necessidade de se respeitar o que está na Constituição e também a defesa da cultura por meio do Poder Legislativo. Ele destaca que o investimento em cultura é vetor de desenvolvimento social e econômico para o país, além de estar ligado ao patriotismo e à criatividade em diversos setores.
Francisco Weffort por sua vez deu especial atenção à luta de artistas, políticos e intelectuais pelo retorno do MinC valorizando a área e seu histórico de conquistas. Ele ainda explicou que o encontro buscou um representante de cada governo dentro de agendas apertadas e por isso nem todos os ministros foram convidados.
Durante as perguntas de jornalistas de diferentes mídias foi possível perceber melhor a heterogeneidade de posições ali presentes, mas também o esforço comum realizado. Focalizando na extinção do MinC e na legitimação de ataques à área cultural feita pelo atual governo, os ex-Ministros concordam que o diálogo com o Planalto é muito difícil. Juca Ferreira vê um cenário de “terra arrasada” nessa área, enquanto Marcelo Calero buscou enfatizar a lógica da retórica do atual governo e que a solução seria um esforço de valorização de aspectos técnicos na área sem necessariamente afrontar e criar uma oposição ideológica ao governo.
Quando questionados sobre proposições práticas a partir da reunião, os ex-Ministros disseram que o manifesto se trata de uma análise da situação atual e do apontamento de problemas e linhas a serem seguidas na perspectiva de uma crítica colaborativa. O manifesto servirá de base principalmente para ecoar no meio artístico e de produção cultural. A resposta ou silêncio do governo mostrará como ele se posiciona com relação a isso.
De forma geral, o ponto de maior relevância do evento foi reunir diferentes perspectivas e propor uma linha de atuação em comum. Defendendo o caráter democrático da área e a necessidade de repensar a questão cultural com relação ao atual governo para que a cultura não permaneça desvalorizada, os ex-Ministros se mostraram confiantes na continuidade de ações culturais e de seus agentes, apesar de tudo.
