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Beuys e a escultura social

por Livia Benedetti

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Talvez pelo fato do Brasil ter visto poucas exposições de Beuys [1], Antonio d'Avossa foi bastante generoso com a platéia e fez uma fala de cerca de três horas e meia, resgatando a infância do artista e seguindo cronologicamente por sua vida e obra, optando por traçar um panorama mais abrangente ao invés de problematizar questões mais específicas.

O crítico de arte foi a uma exposição de Beuys quando ainda era estudante, em 1971, e lembra-se especialmente de um vídeo exposto onde o artista discorria sobre a democracia. O italiano não esconde sua admiração por Beuys, referindo-se a ele repetidamente como "nosso Joseph", ou "nosso artista". O crítico fez uma escolha em sua fala que deixou clara sua cumplicidade com o alemão: relatou a queda de avião na Criméia como qualquer outro fato na vida do artista. Porém, nunca houve evidências suficientes que comprovem o fato propagado por Beuys: segundo ele, durante a Segunda Guerra Mundial, seu avião foi alvejado, caindo na região da Criméia; por sorte, foi achado e acolhido pelos Tártaros, que cuidaram dele por cerca de oito dias, envolvendo-o em gordura e feltro. Aqui estaria localizado o mito de origem do artista, até mesmo na criação de seu léxico de materiais.

Beuys surge da fragmentação política européia do pós-guerra e aproveita essa fissura para criar um personagem que ficciona sua re-historicização "poética". É um dos artistas contemporâneos mais admirados, tendo adotado uma postura romântica em plenos anos 60. Apesar da imagem xamânica que criou para si, uma de suas máximas era a de que todos os homens também são artistas. Masaccio ou Piero della Francesca têm a mesma importância de um agricultor de batatas, já disse Beuys. Suas exposições retrospectivas por vezes deixam algo a dever: a própria presença do artista (é recorrente que sua obras sejam apresentadas em meio a objetos pessoais, reforçando o viés residual).

A palestra de Antonio d'Avossa reiterou a impossibilidade de falar da obra sem recorrer ao mito (até porque para Beuys arte e vida são inseparáveis). Segundo o crítico, Beuys é tão grandioso porque transcende os lugares usuais da arte: a matéria para sua chamada "escultura social" somos nós. D'Avossa pergunta por que, afinal, Beuys escolheu ser um artista e não um padre, um político ou mesmo um terapeuta como Steiner. E responde: porque Beuys acreditava no caráter social da arte e seu forte potencial revolucionário.

Em 1961, Beuys pleiteou a cadeira da disciplina "Escultura Monumental", quando a Academia era um dos principais centros de cultura da Alemanha (foi lá que o primeiro festival do Fluxus aconteceu) e chegou a professor, passando por momentos conturbados (como a abolição do processo seletivo de alunos pela análise de portifólios), tendo ocupado a Reitoria junto aos alunos, culminando em sua demissão em 1972.

O crítico trouxe o trabalho de Beuys "Das Schweigen von Marcel Duchamp wird Überbewertet" ("O Silêncio de Marcel Duchamp é superestimado"), exaltando o ruído do engajamento do artista alemão em relação ao silêncio político do artista francês, pois em Beuys existe acima de tudo a vontade de comunicação e ação conjunta. Um dos primeiros críticos de arte a formular uma crítica a Beuys, Benjamin H. D. Buchloh, no texto "Beuys: the twilight of the idol/ Preliminary notes for a Critique" [2], coloca o ataque de Beuys a Duchamp como má compreensão do legado do francês: "(...) he dilutes and dissolve the conceptual precision of Duchamp's readymade by reintegrating the object into the most traditional and naive context of representation of meaning, the idealist metaphor: this object stands for that idea and that idea is represented in this object". Neste ensaio, Buchloh é bastante incisivo na crítica à persona de Beuys, que considera tanto infantil quanto fascista, e também à suas pretensões políticas, que não seriam lá muito sérias.

 

 

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A F.I.U. (Universidade Livre Internacional) foi co-fundada por Beuys em 1973 como centro alternativo de formação que uniria arte, política e ciência - o artista chegou a declarar que essa foi sua maior obra de arte. A escola representava um passo fundamental em direção aos seus planos utópicos. D'Avossa lembrou que algumas obras de Beuys utilizam a lousa como suporte, algo como um resíduo do que foi vivido em grupo: desenhos, palavras e diagramas indicam o que foi outrora uma conversa. Anselm Kieffer e Martin Kippenberger foram alguns do alunos que passaram pela sua Universidade.

No texto de Benjamin Buchloh também encontramos ressalvas a este projeto de Beuys: "Everybody who was seriously involved in radical student politics during the 1960s in Germany, for example, and who worked on the development of a new and adequate political theory and practice, laughed at or derided Beuys' public-relations move to found the Grand Student Party, which was supposed to return an air of radicality to the master who was coming of esthetic age. Nobody who understands any contemporary science, politics or esthetics, for that matter, could want to see in Beuys' proposal for an integration of art, sciences and politics - as his program for the Free International University demands - anything more than simple-minded utopian drivel lacking elementary political and educational practicality", escreve. A iniciativa política de Beuys acontece mais em fotografias do que na prática: Beuys foi um artista que soube explorar a mídia, se fazendo fotografar exaustivamente, pois tinha necessidade da platéia. O famoso slogan de 1971, "Die Revolution sind Wir" ("A Revolução somos nós"), acompanha de forma precisa a imagem de Beuys andando em direção à câmera - trajando sua vestimenta típica em pleno verão siciliano, conforme observou d'Avossa.

Também em 1971, quando a exposição do alemão Hans Haacke foi censurada pelo Guggenheim de Nova Iorque e o curador Edward Fry demitido, Buchloh questiona o posicionamento de Beuys, que ignorou o abaixo-assinado que mobilizou uma considerável porção do mundo da arte - o crítico questiona onde estaria nosso Beuys político.

Voltando a d'Avossa, o crítico italiano finalizou sua fala trazendo o trabalho de Beuys de 1982, quando o artista foi convidado a participar da Documenta 7 [3], em Kassel, realizando o plantio sistemático de 7.000 carvalhos na cidade (ao longo de alguns anos e com a ajuda de diversos colaboradores); o projeto performático, que aconteceu dentro e fora do sistema da arte, mudou a paisagem da cidade e era considerado por Beuys apenas o início de um plano de ação maior que se estenderia pelo mundo. D'Avossa considera esse projeto maior que qualquer projeto de land art ou arte urbana, pois é um trabalho colaborativo de impacto ambiental que supera o meio da arte e cria uma responsabilidade conjunta (a continuidade da ação).

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[1] D’avossa veio ao país a propósito da exposição "A revolução somos nós", curada por ele e organizada pela Associação Videobrasil e pelo Sesc Pompéia, em cartaz de 16/09 a 28/11/2010.

 

[2] texto de Benjamin Buchloh, "Beuys: the twilight of the idol/ Preliminary notes for a Critique", publicado na revista Artforum, vol.5, em janeiro de 1980.

 

[3] O Forum Permanente cobriu encontros dobre a Documenta 12 aqui: /.event_pres/exposicoes/documenta-12-1/roda-de-debate-com-roger-buergel-e-ruth-noak e aqui: /.event_pres/exposicoes/documenta-12-1/arte-contemporanea-a-12-documenta-em-foco

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