Relato
O Goethe-Institut de São Paulo sediou o terceiro encontro do projeto documenta 12 magazines. Participantes de Brasil, Argentina, Colômbia, Egito, Holanda, Inglaterra, Irã, Polônia e Turquia - dentre editores, teóricos e artistas - debateram juntos os motes conceituais da documenta 12, procurando analisar o impacto que as contribuições das mais de 80 publicações inscritas no projeto poderão trazer ao discurso estético contemporâneo, com alguns de seus desdobramentos a serem materializados na mostra do ano que vem, a mais importante do circuito artístico mundial. Ao final do primeiro dos dois dias do encontro - de dinâmica interna, restrita aos participantes - o evento foi aberto ao público, que pôde assim ter acesso a algumas declarações e posicionamentos dos participantes presentes em relação ao projeto. O mote que havia sido discutido nesse dia foi "What is bare life?" [algo como "O que é a vida nua e crua?"], uma das três "questões temáticas" que orientam o conceito curatorial da Documenta 12. Apenas quatro dos quase 15 convidados para este seminário de trabalho, contudo, foram escalados para falar nesta sessão.
O PROJETO A essência do projeto está no empenho em se criar canais para novos formatos independentes de distribuição e redes de circulação de conhecimento, estimulando o surgimento de modelos mais flexíveis de comunicação trans-local. Um critério fundamental na seleção dos participantes foi a ênfase não no porte ou âmbito de circulação da publicação, mas nos discursos que veiculam e sua pertinência e relevância em relação aos temas do evento. As publicações convidadas serão instadas a acolher contribuições independentes que reflitam este diálogo, bem como a reagir e comentar contribuições feitas por outros participantes, deste modo dando corpo a um diálogo multilíngüe. Serão estabelecidos uma plataforma editorial e um sistema de administração de conteúdo on-line – uma rede - com o objetivo de possibilitar a todas as publicações participantes o mútuo acesso, discussão e troca de suas contribuições. Estas contribuições deverão ser publicadas numa revista digital da documenta 12 a partir de novembro de 2006. Será criada uma network com o objetivo de levantar e discutir tópicos de interesse e relevância para a documenta. Os resultados, na forma de textos e discussões relacionadas, serão publicados na revista digital da documenta 12 e serão a fonte de material para as três versões impressas das revistas documenta 12.
OS TEMAS Esta dinâmica irá se desenvolver ao redor de três questões-temas centrais: "Is modernity our antiquity?" [“Seria a modernidade nossa antigüidade?”], "What is bare life" [“O que é a vida nua e crua?”] e "What is to be done?" [“O que pode ser feito?”, este último voltado para a educação], com ênfase na reflexão sobre interesses e conhecimentos específicos dos respectivos contextos locais. Percebe-se uma orientação no sentido de se procurar uma nova forma de informar e comentar sobre o art world, de foco múltiplo, à margem de um formato editorial comprometido com o mercado. Busca-se o investimento na prospecção de um espaço de discussões, debates e produção de conhecimento com um agudo senso de auto-reflexão. Procura-se assim valorizar a noção da instituição da arte em si, discutindo também a questão do mercado e de como buscar novas vias de "navegação" e não "ficar à deriva" nesse processo, para manter as imagens-metáforas que permeiam o discurso do coordenador do projeto, Georg Schöllhammer. Pretende-se que os periódicos e editores envolvidos no projeto documenta 12 magazines atuem, enfim, como dispositivos catalizadores para a produção, construção do discurso e da crítica de arte, atuando como mediadores e veiculando posicionamentos em termos que possam ser assimilados tanto por especialistas quanto pelo público comum. Finalmente, um último objetivo seria o estabelecimento de relações de cooperação internacional que continuarão a existir para além do período de duração do projeto.
O EVENTO Georg Schöllhammer abre o evento comentando os temas; enfatiza a noção de "vida não confinada a instâncias de governo [regulamentação]" como um possível fio condutor para a dinâmica de atividades do documenta 12 magazines. Descerra também sobre a importância e riqueza de experiências que a realização de fóruns como este permite, observando a singularidade do formato de discussões com os participantes-editores, detendo-se em alguns aspectos estruturais do projeto - já apresentados anteriormente – e ressaltando as possibilidades [e impossibilidades] inerentes da recombinação de contextos.
A sessão de intervenções dos participantes internacionais é aberta por Babak Afrassiabi, representante da publicação Pages [Roterdã/Teerã]: com 5 edições lançadas até o momento, a revista se propõe fundamentalmente a ser uma plataforma de expressão para artistas contemporâneos iranianos [mas não só]. Enfatiza certa recusa, em seu projeto editorial, em "ajustar a linguagem ao cânone" [ocidental], preferindo investir na geração de um canal de interlocução e práticas culturais entre os dois países/contextos, Holanda e Irã. Trabalham o tema "What is bare life" pela chave de "formas de reintegração".
Em seguida fala Lukasz Ronduda, da Piktogram, de Varsóvia: um periódico independente, sem fins lucrativos, nascido de uma associação entre artistas e críticos de arte poloneses. Interessa-se por trabalhar a linha temática "What is to be done", propondo a revitalização de aspectos da história e produção de arte polonesa dos anos 1970, de orientação política e forte tônica conceitual. Uma geração, em suas palavras, que "teria definido a idéia de modernidade" na Polônia e está hoje esquecida; pretende, por meio do resgate desta produção, criar um contexto para a atuação de jovens artistas locais. Detém-se brevemente sobre a necessidade da linguagem na descrição da cena contemporânea. A partir de aspectos de sua fala, Schöllhammer comenta sobre "como uma crítica artística foi tomada pela reconfiguração de mercado", sem no entanto se aprofundar no assunto.
Suely Rolnik, teórica brasileira convidada a participar como uma espécie de "consultora", fala na seqüência e comenta o projeto, elogiando vivamente o formato "seminários de trabalho", vendo o documenta 12 magazines como um estimulante dispositivo editorial de "compartilhamento de discursos", ressaltando a dificuldade em inventar sistemas de criação de sentidos efetivos. Percebe esse modelo como um desdobramento de práticas presentes nas documentas 10 e 11; para ela, o diferencial desta edição seria "partir da deriva intercontinental" de publicações, propondo as 3 questões ["impertinentes"], subseqüentes discussões e ao mesmo tempo criando uma rede de conexões do pensamento em escala global. Enxerga aí uma dimensão política necessária, que pode ser entendida como uma "estratégia de resistência no campo da arte", assinalando de passagem a mudança de registro na mentalidade anti-institucional dos anos 70's pra hoje.
O último convidado a falar no dia é Erden Kosova, de Istambul, representando a publicação art-ist. Bem-humorado, expõe seu interesse em problematizar questões de identidade nacional partindo de um time de futebol, o Fenerbahce [o maior da Turquia hoje]; descerra [ou discorre] sobre a trajetória da equipe até se tornar "orgulho nacional" e principal equipe do país, como é atualmente, quando a seus olhos o time teria se transformado em uma entidade "extra-turca", multicultural - com a "importação" de uma enxurrada de jogadores estrangeiros. Vale-se desta imagem futebolística para se reportar a um questionamento do estatuto de referenciais geográficos, históricos e nacionais, recorrendo a um instrumental etimológico e metafórico; em suma, defende um raciocínio que dê conta de transcender a noção de local/nacionalidade, ao qual a idéia de redes, como a que conduz o formato do documenta 12 magazines, se ajusta bem.
CONCLUSÃO No encerramento do evento, abriu-se à participação da platéia, quando houve apenas uma pergunta, abordando a questão da distribuição e apresentação do material escrito do documenta 12 magazines, à qual Georg Schöllhammer respondeu de modo geral afirmando estar otimista em relação ao aspecto "display", mas não tanto quanto à efetividade da distribuição; o iraniano, Afrassiabi, insiste na idéia de que esses eventos de certa forma "já são distribuição", sugerindo que o material impresso "não é tão importante". E assim foi encerrado o evento.
por Guy Amado