Relato Mesa 2: Avaliação De Ações Educativas Em Museus
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Para que avaliar? Talvez essa seja a principal pergunta que educadores e profissionais de museus devem se fazer antes de empreender tão difícil tarefa. Quando se tem clareza sobre os objetivos da avaliação, é mais fácil definir o que é preciso saber e os meios para descobrir isso. E assim se evita aborrecer os visitantes com questionários que vão ficar mofando nas gavetas e economiza-se tempo e esforço da equipe e dinheiro do museu, bens especialmente preciosos quando os recursos são poucos. As quatro apresentações que compuseram a mesa trouxeram contribuições variadas para refletir sobre o tema.
Para Adriana Mortara, que já desenvolveu processos de avaliação para o Museu Lasar Segall e o Museu de Zoologia da USP, a finalidade da avaliação é produzir informações de qualidade para a tomada de decisões. Segundo essa especialista no assunto, as chances de atender às necessidades dos usuários e de promover aprendizagem em um museu são tanto maiores quanto mais se entende o que acontece durante uma visita. Mortara frisou que não é preciso reinventar a roda para descobrir o que acontece nos espaços de visitação, recomendando adaptar idéias e métodos desenvolvidos por grupos de pesquisadores que há longo tempo se dedicam a estudar a educação museal. Como exemplo, apresentou o trabalho de duas instituições que são referência nessa área.
O Grupo de Pesquisa em Educação e Museus (GREM), da Universidade de Quebec, há mais de vinte anos vem aplicando e aperfeiçoando modelos didáticos e instrumentos de avaliação em diversos museus do Canadá. Suas pesquisas estão documentadas em vários artigos e livros de Michel Allard, coordenador do grupo. O Conselho de Museus, Arquivos e Biblioteca da Grã-Bretanha realiza o Projeto de Pesquisa de Impacto de Aprendizagem (Learning Impact Research Projetct), cujos métodos e instrumentos estão disponíveis na internet (http://www.resource.gov.uk). Mortara identificou pontos em comum no trabalho dessas duas instituições: pesquisa empírica baseada em sólida fundamentação teórica; avaliação sustentada por uma concepção clara de educação; processo contínuo de avaliação; utilização de diferentes instrumentos (questionários, entrevistas, observação, grupos de discussão); envolvimento de diversos tipos de respondentes (visitantes, estudantes, professores, organizadores, educadores e funcionários do museu, etc.).
Denise Marques, do Museu Paulista, Anny Christina Lima, do Museu Lasar Segall, e Daniela Azevedo, do Instituto Itaú Cultural, falaram sobre a avaliação em suas instituições. É revelador que as três sejam coordenadoras do setor educativo (no caso de Azevedo, de um dos núcleos da área de educação do Instituto). Esse quadro confirma a tendência histórica de situar a avaliação museal na área de educação. Ao mesmo tempo, demonstra a expansão da prática no cenário museual brasileiro, particularmente considerando que se trata de três instituições com perfis absolutamente diferentes. O Museu Paulista, dedicado à história e instalado em um prédio construído em 1890 para celebrar a independência do Brasil, recebe cerca de 400.000 estudantes por ano. O Museu Lasar Segall abriga uma coleção das obras desse artista e funciona na casa e ateliê onde ele morou e trabalhou, recebendo em torno de 9.000 estudantes por ano. O Instituto Itaú Cultural, que tem como foco a arte contemporânea e funciona em um edifício na Avenida Paulista, registrou um público de 55.000 pessoas em 2005. Essa diversidade se reflete, como não poderia deixar de ser, nos métodos e objetivos da avaliação em cada um dos casos.
Denise Marques relatou que o Museu Paulista trabalha com avaliação desde 2002, realizando pesquisas sobre fruição, material informativo (folhetos e legendas) e sobre o perfil, as expectativas e a experiência vivida no museu por professores e pelo público em geral. No entanto, essas investigações tinham um caráter pontual e parecem ter tido pequena influência nos serviços oferecidos. Bem diferente da experiência que está em curso atualmente, sobre a qual Marques falou com grande entusiasmo. Trata-se do projeto Imagens recriam a história, o qual compreende uma ampla pesquisa, que tem como objetivo definir diretrizes para a reformulação dos espaços expositivos dedicados à história do imaginário.
Para esse projeto, além de estudar a bibliografia, organizar seminários para analisar textos e imagens e levantar como o assunto é tratado nos livros didáticos, a equipe do Serviço de Atividades Educativas está indo a campo colher dados específicos. A investigação inclui uma pesquisa sobre como o público de outros museus interage com equipamentos de multimídia, observações e entrevistas com seus próprios visitantes. As perguntas buscam elucidar o entendimento do público sobre técnicas de pintura, a relação entre pintura e fotografia, características dos objetos que mais chamam sua atenção, etc. Marques contou que profissionais de outros setores do museu estão participando da elaboração das perguntas e discutindo os resultados, e que esse processo está sendo altamente recompensador para todos os envolvidos. O projeto prevê ainda a investigação com grupos de discussão e a montagem de uma “sala teste”, a qual servirá como instrumento de avaliação para a reformulação definitiva dos espaços.
Em um museu de porte menor, o impacto desse tipo de avaliação pode determinar uma completa reestruturação dos espaços expositivos. Foi o que aconteceu no Museu Lasar Segall. Anny Christina Lima contou que entre 2000 e 2001, o museu passou por um processo de avaliação (coordenado por Mortara, presente na mesa) que levou a uma reorganização global da exposição permanente. Desde essa época, a Área de Ação Educativa avalia todas as suas ações. A visita monitorada utiliza três instrumentos de avaliação. Antes da visita, é realizada uma entrevista com o professor, com o objetivo conhecer suas expectativas e o perfil do seu grupo de estudantes. Logo após a visita, o professor faz uma avaliação e o educador do museu anota seus comentários. Tanto os cursos para professores como as atividades realizadas com visitantes nos sábados são avaliada pelos participantes e pelo relatório dos educadores do museu. Atualmente, a equipe está fazendo um esforço para incorporar no seu dia-a-dia a tarefa de organizar esses dados. Segundo Lima, a proposta é criar um sistema de avaliação da ação educativa do museu a partir da análise desses dados.
No caso do Instituto Itaú Cultural, a própria cultura organizacional determina uma dinâmica de avaliação permanente. Como explicou Daniela Azevedo, a avaliação institucional é de dois tipos: um mede o número total de visitantes, enquanto o outro classifica os visitantes de acordo com o perfil, diferenciando por público agendado, espontâneo e extra, grau de escolaridade, tipo de rede de ensino e tipo de portador de necessidades especiais. Além dessa avaliação global, cada núcleo define seus próprios critérios e instrumentos de avaliação. O núcleo de educação cultural, que Azevedo coordena, trabalha com questionários, auto-avaliação e reunião avaliativa para avaliar as visitas espontâneas e agendadas e os encontros com professores. A estratégia é contrapor o olhar interno, seja do educador, do coordenador ou do monitor, ao olhar externo, percebido através das respostas aos questionários respondidos pelos professores que acompanham os estudantes nas visitas ou que participam dos encontros.
Azevedo apontou que, apesar dos resultados gerais referentes às visitas agendadas em 2005 terem sido altamente satisfatórios, é importante exercer uma visão crítica desses números, considerando questões subjetivas e contrapondo a aprovação dos visitantes com a satisfação da equipe. Para cada aspecto avaliado – envolvimento do grupo, postura do educador, conteúdos discutidos e metodologias – Azevedo listou aspectos positivos e desafios a serem vencidos. Por exemplo, em relação aos conteúdos, identificou como pontos positivos a relação com o cotidiano dos visitantes e o uso de conceitos acessíveis. Entre os desafios, mencionou a expectativa do professor em relação a uma conexão entre os conteúdos da visita e os conteúdos curriculares. Azevedo apontou ainda outros desafios mais gerais: investigar a percepção do público espontâneo acerca dos atendimentos; avaliar os resultados da formação com professores a médio e longo prazo; conhecer o trabalho desenvolvido em sala de aula após a visita educativa; reconhecer de modo mais específico o impacto em grupos que realizam visitas múltiplas; visualizar com mais precisão os desdobramentos das visitas com públicos especiais.
No final das apresentações, o mediador da mesa, Martin Grossmann, do Fórum Permanente, fez uma síntese dos pontos principais e chamou atenção para um aspecto interessante. Ele observou que a avaliação, um instrumento que pode ser usado para uma crítica institucional interna, geralmente é tarefa do setor educativo, o qual normalmente ocupa uma posição hierárquica inferior na estrutura dos museus. O público presente também participou da discussão, colocando questões para a mesa. Luciana, estudante de mestrado, perguntou como os resultados da avaliação são passados para outros setores do museu e para os patrocinadores. Daniela Azevedo afirmou que o cuidado com que o Itaú Cultural sistematiza os resultados quantitativos relaciona-se com a obrigação de prestar contas ao Ministério da Cultura, já que os projetos são financiados pela lei de incentivo fiscal. De certo modo, essa fala complementa seu esforço anterior de relativizar os números da avaliação institucional, buscando por trás deles indicadores mais precisos do que acontece durante as visitas. Já Anny Christina Lima ressaltou que a opção do Museu Lasar Segall de atender um público menor não os dispensa de prestar atenção aos números: se por acaso o fluxo de visitantes diminui, é preciso apresentar uma justificativa clara para o fato. O responsável pelo educativo não pode responder “vou estudar”, e sim “vou imprimir os dados e já vou aí”.
Ao fim e ao cabo, podemos concluir que tanto a avaliação qualitativa quanto a quantitativa cumpre um papel importante para museus e centros culturais. Observações, entrevistas, questionários com perguntas abertas e grupos de discussão são instrumentos valiosos para entender a dinâmica da aprendizagem, identificando dificuldades e contribuindo para aperfeiçoar os métodos de mediação do conhecimento nos espaços expositivos. Questionários de múltipla escolha e levantamentos numéricos ajudam a classificar os visitantes de acordo com seu perfil, apontam tendências e permitem um conhecimento global do público e suas preferências. Os dados desses dois tipos de avaliações podem alimentar um ao outro. Proporcionar uma experiência incrível para um número muito pequeno de visitantes provavelmente não vai impressionar bem os patrocinadores. Por outro lado, conseguir filas imensas não é garantia de que os visitantes terão uma experiência significativa no museu, e se isso não acontece, todo o investimento foi perdido. O desafio, portanto, é saber equilibrar esses dois tipos de avaliação, para não se perder nos números – nem nos muito grandes, nem nos muito pequenos.