Texto apresentado por Adriana Mortara
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Concordando com a afirmação de Miles, acredito que a meta principal da avaliação é produzir informações de qualidade para tomada de decisões, seja em um museu ou em outras instituições culturais e educacionais. Nesta apresentação pretendo trazer dois exemplos de avaliação de ação educativa em museus, traçados desde a concepção de educação até sua aplicação na prática. Isso porque a avaliação não se dá de forma isolada, mas como parte de todo o processo educativo proposto, dentro de parâmetros definidos a partir do que se entende por educação em museu. O primeiro exemplo é do GREM, um grupo de pesquisa em educação da Universidade de Quebec no Canadá, coordenado pelo professor Michel Allard, cujas propostas aparecem em diversas publicações e também foi apresentado parcialmente na Conferência do CECA ocorrida no Rio de Janeiro, em 1997. O segundo exemplo é um projeto do Conselho de Museus, Arquivos e Biblioteca da Grã-Bretanha, denominado Learning Impact Research Project – Projeto de pesquisa de impactos da aprendizagem, disponível pela internet. A proposta do GREM (Allard e equipe, Canadá) O Grupo de Pesquisa em Educação e Museus (GREM) foi criado em 1981 com objetivo de desenvolver o campo de pesquisa da educação museal. O GREM concebeu, em colaboração com museus e comissões escolares, um programa de pesquisa cujo objetivo geral consiste em elaborar, experimentar, avaliar e dar validade a modelos didáticos próprios aos museus. Os membros do GREM estudam as interações entre os diversos componentes de uma situação pedagógica que se desenvolve dentro do museu, a saber o sujeito (o visitante), o objeto (o tema), o agente (o conjunto de recursos humanos e materiais) e o meio (meio ambiente externo e interno). Da análise dessas interações surgem os modelos didáticos próprios e pertinentes ao museu.[1] O modelo teórico da utilização dos museus para fins educativos (Allard et alli, 1998, p.113) Para o GREM, a pedagogia museal possui três dimensões que têm pontos de intersecção: uma dimensão museológica, uma dimensão disciplinar e uma dimensão social.[2] “A pedagogia museal, esta se define como um quadro teórico e metodológico à serviço da elaboração, da realização e da avaliação das atividades educativas no meio museal, atividades cujo objetivo principal é a aprendizagem de saberes (conhecimento, habilidades e atitudes) pelo visitante.”[3] Assim, para o GREM, a “... educação em museu tem por finalidade auxiliar o visitante a tornar-se competente, ou seja, capaz de se apropriar do museu. Essa concepção do papel educativo do museu aparece intimamente ligada ao conceito de autonomia na aprendizagem, definida pela atitude do sujeito em determinar seus objetivos, a escolher os meios para atingi-los e a avaliar seu empreendimento. Ensinar um visitante a se tornar competente consiste essencialmente em ensiná-lo a aprender no museu.” (Allard e Boucher, 1998) O principal objetivo da ação educativa em museu é fazer com que o participante se sinta apto para realizar seu próprio percurso de visita a um museu, sem necessidade de mediadores. Nesse sentido, são vários os saberes a serem adquiridos durante o processo educacional em um museu, que normalmente não termina no final da visita[4]: SABER Aquisição de fatos e conceitos relativos:
SABER FAZER Desenvolvimento das seguintes habilidades:
SABER SER
SABER CRIAR
Uma visita de duas horas a um museu dificilmente proporcionará a aquisição de todos esses saberes, mas poderá suscitar vários deles. Com estímulos posteriores, planejados ou não, poderá haver o estabelecimento de relações e a construção de novos conceitos. A avaliaçãoA partir de suas pesquisas, o GREM propôs alguns instrumentos de avaliação da ação educativa em museus. É importante salientar que grande parte das experiências relatadas pelo GREM são com grupos escolares e em museus de ciências humanas. A avaliação da ação educativa pode se dar em diferentes momentos do processo educacional e por meio de diferentes instrumentos, como questionários, entrevistas, observação, grupo de discussão, entre outros. O primeiro exemplo[5] é um roteiro de observação de comportamentos utilizado para identificar as chamadas “habilidades” inseridas na lista como “saber fazer”. Para cada habilidade proposta foi feita uma descrição para que o observador pudesse ter uma referência. O número de vezes que os visitantes realizavam determinada ação era registrado. Foi feita observação de estudantes (fundamental e médio) e adultos em diversos museus da Província do Quebec, no Canadá, somando 906 pessoas observadas, em visitas com duração entre uma e duas horas.
Em uma pesquisa realizada com 906 visitantes, utilizando a tabela descrita anteriormente, registrou-se a ação de “observar” como a mais freqüente (26%) seguida de “localizar informação” com 18% e decidir por uma resposta (14%). Sintetizar e classificar foram as ações menos freqüentes, com índice de 0% (17 e 25 vezes respectivamente, num universo de 8.346 registros).[6] Esses resultados demonstram, na opinião de Allard e Lefebvre, que é possível observar comportamentos que revelam as atividades intelectuais colocadas em prática pelos visitantes do museu. Consideraram positivo o fato da “observação” ser a ação mais freqüente entre os visitantes, uma vez que o ambiente do museu propicia e estimula tal atitude, assim como a localização da informação.[7] Para avaliar atitudes Para avaliar atitude dos visitantes em relação à disciplina do museu e em relação ao próprio museu, o GREM sugere o uso de questionário antes e depois da visita, possível no caso do público escolar (uma semana antes e uma semana depois). O exemplo dado é para a disciplina de história, para visitantes de 9-11 anos que visitaram o Musée Stewart, no forte da Île Saint-Hélène, no Canadá. O questionário contendo 23 questões (11favoráveis e 12 desfavoráveis) foi elaborado por meio de escala (Likert): A Concordo totalmente B Concordo C Eu não sei D Não concordo E Descordo totalmente As questões eram afirmações como: “A maneira na qual as pessoas viviam antigamente me apaixona.” “Quando me falam dos tempos antigos eu em chateio.” “Interesso-me em saber como era meu bairro há cem anos atrás.” “Os trabalhos sobre a vida de antigamente me fazem descobrir coisas.” ” É totalmente inútil estudar a vida do passado.”[8] Os resultados da experiência indicaram o desenvolvimento de atitudes positivas em relação às ciências humanas (história) entre os alunos respondentes. O questionário para avaliar atitude em relação ao museu foi também apresentava afirmações (11 favoráveis e 11 desfavoráveis) e a mesma escala, para que o respondente assinalasse sua opinião. As frases eram: “Tenho horror de museus.” “Eu acho os museus agradáveis.” “Gosto mais de ir a um museu do que ir à a piscina.” “É inútil ir aos museus.” “Não há objetos interessantes nos museus.” “Quando eu for adulto gostaria de trabalhar em um museu.”[9] Avaliar aspectos cognitivos Para avaliar aspectos cognitivos (aquisição de conhecimentos – fatos, conceitos, habilidades) relacionados à visita, o GREM sugere a utilização de questionários e/ou entrevistas com os visitantes. Uma das sugestões é de aplicar o questionário voltado para público escolar antes e depois da visita para poder comparar. Um exemplo é o questionário elaborado para escolares do segundo ciclo do secundário que visitaram o sítio histórico do Parc-de-l’Artillerie, com 23 perguntas de múltipla escolha (4 alternativas) e uma pergunta aberta. Algumas perguntas referem-se a objetos encontrados no museu e suas funções: Qual é a definição correta para o termo seguinte: contraforte? A Construção de alvenaria que serve para sustentar e reforçar uma parede. B Abertura na alvenaria onde se insere um pedaço de madeira que permite manter um aquecedor. C Local com privada (banheiro). D Muro defensivo munido com canhões, avançando a ponto de proteger uma construção. Quem habitava as casernas militares sob o Regime francês? A Civis, comerciantes, colonos. B Civis, soldados, comerciantes. C Mulheres, crianças, colonos. D Mulheres, soldados, crianças. Qual a forma do abrigo subterrâneo destinado a alojar as tropas e guardar as munições? A , B, C, D – Cada uma delas apresenta uma forma geométrica na qual há uma figura humana protegida, como por exemplo: A pergunta aberta era: Para você, em que consiste o sítio histórico nacional do Parc-de-Artillerie? O GREM também sugere instrumentos de avaliação para serem utilizados com os professores e/ou responsáveis pela visita e também para os educadores dos museus. Há sugestões de entrevistas e questionários também para visitantes adultos e crianças que não estavam necessariamente em grupos pré agendados. O trabalho do GREM vem sendo experimentado e validado há mais de 20 anos em diversos museus do Canadá. Na leitura dos artigos e livros publicados pode-se perceber um aperfeiçoamento dos modelos propostos e dos instrumentos utilizados. Considero um trabalho exemplar pois une a pesquisa universitária ao trabalho cotidiano de diversos museus, aperfeiçoando a ação educativa destes museus e contribuindo com a discussão na área.
O segundo exemplo que apresentarei é o Learning Impact Research Project – Projeto de pesquisa de impactos da aprendizagem realizado pelo Museums, Libraries and Archives Council, que tem o objetivo de desenvolver uma compreensão do aprendizado e de seus resultados, estabelecer um modelo de pesquisa e oferecer provas desse aprendizado em museus, arquivos e bibliotecas. “O aprendizado é um processo de engajamento ativo com a experiência. É o que as pessoas fazem quando querem entender o mundo (fazer sentido). Pode envolver o aumento ou aprofundamento de habilidades, conhecimento, compreensão, valores, sentimentos, atitudes e capacidade de reflexão. O aprendizado efetivo conduz à mudança, ao desenvolvimento e ao desejo de aprender mais.”[10] Resultados Genéricos de Aprendizagem Para avaliar a aprendizagem compreendida neste sentido mais amplo, utilizaram uma abordagem nomeada Generic Learning Outcomes (GLO), ou Resultados Genéricos de Aprendizado. Os resultados (outcomes) de aprendizagem foram definidos como: “Conquistas específicas mensuráveis. Estes são similares a objetivos (de programa) mas descritos em termos do que o aprendiz será capaz de fazer.” Os resultados de aprendizagem são afirmações que descrevem uma condição desejada que correspondem ao conhecimento, às habilidades e atitudes necessárias para alcançá-la. O Conselho propõe cinco resultados de aprendizagem para museus, arquivos e bibliotecas: 1. Conhecimento e compreensão 2. Habilidades 3. Valores, atitudes 4. Criatividade, inspiração, prazer 5. Comportamento atual e progressão MORE ABOUT THE GENERIC LEARNING OUTCOMES[11] Indicadores Para cada um dos cinco resultados de aprendizagem foram descritos indicadores, ou seja, ações, atitudes, habilidades, idéias observadas, verbalizadas, escritas, registradas que indicariam aprendizagem.
A avaliação A partir dos indicadores foram formulados os instrumentos de avaliação. Há propostas de entrevistas, questionários, grupos de discussão e observação. No site são apresentados diversos exemplos, alguns comentados com as sugestões de mudanças para seu aperfeiçoamento. Vou apresentar alguns exemplos. Primeiro um questionário foi testado e aperfeiçoado a partir das experiências e deveria ser aplicado para estudantes à saída do museu. Há um para crianças de 7 a 11 anos e outro para maiores de 11 anos. A idéia é que o educador adapte ao seu universo e seu público o modelo proposto. Depois de escrever o nome, indicar a idade e o sexo, o estudante deveria indicar, para cada frase ou a alternativa SIM, ou NÃO ou NÃO SEI, apresentadas em colunas à direita de cada frase. 1. Eu gostei da visita de hoje 2. Eu aprendi algumas novas coisas interessantes 3. Eu pude entender a maioria das coisas que nós vimos e fizemos 4. Esse é um lugar excitante 5. A visita me trouxe muitas idéias de coisas que eu poderia fazer 6. Uma visita é útil para o trabalho escolar 7. A visita me fez querer saber mais Na mesma página o estudante é convidado a desenhar o que mais o surpreendeu na visita: O Conselho sugere formas de interpretar os resultados, como aparece em relação a um desenho feito por uma criança depois da visita ao museu. Para estudantes maiores de 11 anos foi proposto um questionário semelhante, que começa com a indicação de nome, idade e sexo e em seguida apresenta afirmações para indicar SIM, NÃO e NÃO SEI: 1. A visita de hoje me deu muito a pensar 2. Eu descobri algumas coisas interessantes na visita de hoje 3. Uma visita para um museu/galeria faz o trabalho escolar mais inspirador 4. A visita me deu um maior entendimento do tema 5. Uma visita a museu é uma boa oportunidade para aprender novas habilidades 6. O museu é um bom lugar para aprender de maneira diferente da escola 7. Eu entendi a maioria das coisas que vimos e fizemos no museu 8. Eu viria novamente 9. Eu sai do museu mais interessado no tema do que quando eu vim. Outro questionário sugerido seria para ser aplicado à saída do museu, biblioteca ou arquivo. Estruturado em escala (semelhante a que vimos em um questionário do GREM) – Concordo totalmente, concordo, nem concordo ou discordo, discordo, discordo totalmente, o respondente deve indicar sua opinião sobre dez frases: 1. Minha visita foi muito interessante 2. Minha visita foi inspiradora 3. Eu descobri algumas informações novas 4. Eu descobri como fazer algumas coisas novas 5. Eu aprendi algumas coisas que me fizeram mudar de opinião 6. Meus sentimentos e emoções foram tocados 7. Algumas coisas foram difíceis de entender 8. Algumas coisas me decepcionaram 9. A equipe do museu foi prestativa 10. Eu pretendo vir de novo Em seguida há uma pergunta aberta: Você pode nos dizer algo mais sobre o que aprendeu em sua visita? Ao final há três perguntas de perfil: se é a primeira visita, sexo e faixa etária. Outros instrumentos são propostos, como entrevistas, grupos de discussão, envolvendo diferentes atores, como os professores e responsáveis pelas visitas, os educadores, entre outros. Sei que trouxe de forma muito superficial estes dois exemplos de trabalhos que vêm sendo realizados há muitos anos, com fundamentação teórica e muita experimentação. Pode-se perceber que em ambos os casos há pontos em comum: - A concepção de educação é que vai dar suporte à avaliação - A avaliação é um processo contínuo, que deve sempre estar sendo revisto e aperfeiçoado - Os instrumentos de avaliação devem ser múltiplos em sua forma e na escolha dos respondentes, ou seja, poder ser questionários, observação, entrevista, grupos de discussão que envolvam os visitantes/estudantes, os professores/organizadores, os educadores/servidores do museu, entre outros. <<Voltar para DocumentaçãoBibliografia ALLARD, M.; LAROUCHE, M.; MEUNIER, A.; THIBODEAU, P. Guide de planification et d’évaluation des programmes éducatifs: lieux historiques et autres institutions muséales. Québec: Les Éditions Logiques, 1998. ALLARD, Michel e BOUCHER, Suzanne. Éduquer au Musée: un modèle théorique de pédagogie muséale. Hurtubise, Montreal, 1998. ALLARD, Michel e BOUCHER, Suzanne. Éléments de théorie axiologique propres à l’éducation muséale. Allard & Lefebvre (org.) Le musée à service de la personne, Montréal, 1999, p.27-39. ALLARD, Michel; LEFEBVRE, B. Les habilités intellectuelles mises en ouvre au musée. Dufresne-Tassé (ed.) Évaluation et éducation muséale : nouvelles tendances, Quebec : ICOM-CECA, 1998, p.51-60. ALLARD, Michel; LEFEBVRE, B. (Ed). Musée, culture et éducation. Québec: Éditions MultiMondes, 2000. http://www.unites.uqam.ca/grem/ acessado em 3/08/2006 Os textos e questionários sobre o projeto de avaliação do Museums, Libraries and Archives Council foram obtidos no site www.inspiringlearningforall.gov.uk. [1] http://www.unites.uqam.ca/grem/ acessado em 3/08/2006. [2] Allard e Boucher, 1998, p.174. [3] Allard e Boucher, 1998, p.40. [4] Allard e Boucher, 1999, p.37. [5] Na Conferência do CECA em 1997, no Rio de Janeiro, Michel Allard apresentou esse instrumento de observação. Allard e Lefebvre, 1998, p.51-60. [6] Allard e Lefebvre, 1998, p.60. [7] op.cit, p.55. [8] ALLARD, M.; LAROUCHE, M.; MEUNIER, A.; THIBODEAU, P., 1998, p.179-184. [9] op.cit, p.185-190. [10] (Resource (2002) Inspiring Learning for all: a Framework for Museums, Archives and Libraries, p.3: online at www.resource.gov.uk (draft 5; 16/04.02). [11] More about the generic learning outcomes. Texto disponível em www.inspiringlearningforall.gov.uk, acessado em 08/08/2006. |