A inserção da arte latino-americana no cânone internacional
por Mauro Bellesa
Uma sala num museu em Londres com uma mostra chamada "Uma Visão a partir de São Paulo" com obras de artistas brasileiros e de Pietr Mondrian e Kazemir Malevitch? Sim, ela existe e está na Tate Modern, museu dedicado à arte moderna e contemporânea.
A existência dessa sala demonstra o interesse da Tate em contar em seu acervo com obras latino-americanas. A presença de trabalhos de artistas europeus da primeira metade do século 20 procura relacionar a produção regional com o contexto artístico internacional desde os movimentos modernistas.
"Nunca haverá uma mostra exclusiva de arte latino-americana na Tate; todas as obras adquiridas passam a integrar o acervo único do museu", explicou o novo curador adjunto de arte latino-americana da instituição, o historiador da arte colombiano Inti Guerrero.
Segundo ele, o interesse do museu em adquirir obras de latino-americanos começou nos anos 90 e é uma demonstração de como o cânone artístico ocidental, antes baseado sobretudo na arte europeia e norte-americana, têm gradualmente se diversificado.
Guerrero tratou desse questão na conferência Deslocando o Cânone da História da Arte: O Papel da Arte Latino-Americana na Tate Modern, no dia 22 de setembro, evento organizado pelo Grupo de Pesquisa Forum Permante: Sistema Cultural entre o Público e o Privado, com apoio da Cultura Inglesa. O encontro teve como moderadores dois integrantes do Fórum Permanente: a historiadora da arte Julia Buenaventura e o artista visual e crítico de arte Gilberto Mariotti.
O conferencista explicou que a presença de obras de Mondrian e Malevitch na mostra "Uma Visão a partir de São Paulo" explica-se pelo fato de a sala ter buscado refletir o contexto artístico-cultural da cidade de São Paulo na época da 1ª e da 2ª Bienal, nos anos 50, período fortemente marcado pelo concretismo e pelo neoconcretismo.
Na apresentação da mostra no site da Tate Modern, o curador Matthew Gale diz que "o período era de rápido crescimento econômico e de desenvolvimento urbano no Brasil e também um tempo em que jovens artistas de São Paulo e Rio de Janeiro estavam desenvolvendo uma nova forma de abstração geométrica".
Inti Guerrero, curador adjunto de Arte Latino-Americana da Tate Modern |
Gale acrescenta que, a partir do abstracionismo europeu do começo do século 20, os artistas brasileiros daquele período adotaram uma abordagem rigorosa da arte, impregnada de idealismo político: "Rejeitando o passado e adotando novas formas, a abstração estava associada com ideias de mudanças sociais"
Para Guerrero, ações desse tipo da Tate Modern demonstram como ela está reinventando o conceito do que seria um museu global. O clima para essa abertura internacional no Reino Unido foi possibilitado por vários fatores, segundo ele, como o processo de globalização a partir dos anos 80, as políticas de incentivo ao multiculturalismo e até mesmo o fim do período colonialista do país com a devolução de Hong Kong à China em 1997.
Dois outros exemplos do interesse do museu na arte latino-americana foram comentados por Guerrero: um baseado na atuação do Centro de Arte y Comunicación (Cyac) de Buenos Aires nos anos 60 e 70 e outro relacionado com o trabalho desenvolvido pela TEOR/éTica, uma instituição independente de arte em San José, Costa Rica, do qual ele foi curador antes de ser convidado para trabalhar na Tate Modern.
Guerrero disse que o Cyac dedicava-se às relações entre arte e comunicação e à vanguarda da arte conceitual e foi o inspirador da sala "Um Vista a partir da Buenos Aires". No caso da TEOR/ética, informou que a Tate Modern apoiou uma exposição da instituição costa-riquenha (em parceria com um coletivo de Nova York) sobre a participação norte-americana nos conflitos armados na América Central a partir dos anos 60.
Momento etnográfico
Julia Buenaventura perguntou a Guerrero se esse tipo de interesse pela arte latino-americana significa que o cânone ocidental da arte está mudando. Guerrero afirmou não ter dúvida de que o panorama da arte contemporânea está passando por um momento etnográfico. Para ele, há ações que "fixam o cânone", como no caso de uma exposição latino-americana no Museu Guggenheim de Nova York que teve como tema o futurismo. "As ações da Tate Modern são diferentes, procuram refletir um momento intelectual de um lugar".
Em participação via teleconferência direto de Berlim, Alemanha, onde realização pesquisa, Martin Grossmann, coordenador do Fórum Permanente e ex-diretor do IEA, perguntou a Guerrero sobre a geopolítica adotada pela Tate Modern. O conferencista respondeu que o interesse internacional do museu não se restringe à América Latina e que há curadorias sobre a América do Norte e sobre a Ásia-Pacífico, além de interesse em regiões como o Oriente Médio e a África.
Gilberto Mariotti quis saber de Guerrero como se dá seu relacionamento com os outros setores da Tate Modern. O colombiano explicou que seu papel é indicar obras e artistas que devem merecer a atenção do museu. "As sugestões são analisadas pelo Comitê de Aquisição e também orientam o trabalho dos curadores de exposição."