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Panel Discussion

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CIMAM 2005 Annual Conference
“Museums: Intersections in a Global Scene”

A mesa deste painel de discussão foi mediada por Robert Fleck (diretor do Deichtorhallen, Hamburgo) e composta por Zdenka Badovinac (diretora da Moderna Galerija/Museum of Modern Art, Liubliana, Eslovênia), Lynne Cooke (curadora da Dia Art Foundation, New York), Vasif Kortun (um dos idealizadores da Bienal de Istambul, hoje diretor da Platform Garanti Contemporary Art Center, Istambul) e Roger M. Buergel (professor, curador e diretor artístico da Documenta 12).


Algumas questões polêmicas que o curador Roger Buergel levantou em sua fala na Sessão 3, imediatamente anterior, foram retomadas no painel de discussão que se seguiu, particularmente: a) de que maneira se dá a inserção, no sistema de arte global, de uma ação cultural localizada – caso da mítica mostra Tucumán Arde, em Rosário, na Argentina, organizada no final dos anos 60 no contexto da Primera Bienal de Arte de Vanguardia; b) a polêmica em torno do papel do museu hoje, consequência de uma posição de Buergel, em que ele afirmou que as instituições deveriam priorizar seu acervo, relacionando-o com outros contextos e museus, e não despender recursos com exposições temporárias.

Entretanto, de maneira geral, o debate atravessou os temas centrais – e hoje incontornáveis – do deslocamento sócio-cultural, desterritorialização e multiculturalismo, passando pelas contradições e ambigüidades que marcam estes processos (especialmente traumáticos para artistas e contextos culturais periféricos), caso das dicotomias central/periférico, civilização/barbárie, dominante/dominado, colonizador/colonizado (questões retomadas e aprofundadas pelo professor de antropologia cultural Walter D. Mignolo na sessão 4, “Museums in the Colonial Horizon of Modernity”).

O painel teve início com Zdenka Badovinac, que em sua fala mostrou-se preocupada com a “questão local”, tendo como referência sua própria área de atuação, a cidade de Liubliana, capital da Eslovênia (e que foi sede da Manifesta 3). Robert Fleck, que mediava a mesa, lembrou ser Badovinac não apenas uma curadora em movimento, mas uma profissional que articula relações de sua cidade com outros contextos contemporâneos, promovendo um cruzamento produtivo de idéias, propostas e possibilidades artísticas, partindo sempre da particularidade e força das obras para pensar e montar suas exposições.

Levantando uma discussão que seria retomada em outras ocasiões durante o dia (a noção dos padrões e métodos comuns em arte, o paradigma que muitas vezes não se acomoda às especificidades locais, entrando em choque com eles), Badovinac citou o exemplo do conceito de modernidade, fundamental para o trabalho curatorial, como algo que é entendido de maneira diferenciada no Leste Europeu – e, por outro lado, o restante do mundo atribuí de forma bastante particular à região. “A modernidade ocidental coincidiria com o período comunista em nossos países. E, na verdade, a modernidade ainda não foi entendida e integrada no contexto do Leste Europeu.”

A seguir, a curadora mostrou imagens de um projeto que organizou, Democracias, e que mostrava a criação e/ou documentação de sistemas informais paralelos que, segundo ela, fazem referência a um universo pré-moderno, na visão do mundo civilizado ocidental. Entrou em jogo a relação entre estética oficial (representada pelos museus e pelo sistema de arte instituído) em oposição a um estética paralela (encarnada, particularmente, pela mídia).

A seguir, a australiana Lynne Cooke, curadora da Dia Art Foundation, New York, relatou as recentes performances de Marina Abramovic na área externa do Museu Guggenhein, em que a artista, por cerca de sete horas sobre um pedestal, apenas virava de um lado para o outro saudando o público com os braços abertos. Abramovic convocou o poder da arte, baseado em sua história e memória coletiva, e simbolicamente transformou os presentes na platéia em seus “súditos” – e eram milhares de pessoas, de acordo com Lynne Cooke, que presenciaram a performance. “Fiquei surpresa com a dimensão que o trabalho tomou, o que me foi útil para analisar o comportamento do público hoje. Acho que elas estavam todas lá menos pelo evento em si, mas por uma tentativa de se envolver em uma memória coletiva da arte, e isso é muito característico do momento que estamos vivendo”, afirmou Cooke. “Não podemos perder de vista que são os artistas do presente que nos ensinam a ver e reler a arte do passado. Pois é por meio deles que a arte vive hoje.” Ao final, Cooke aproveitou para se referir explicitamente às posições de Roger Buergel: “Esta arte do presente acontece nos museus e instituições, diferente do que pensa o curador da Documenta”.

Vasif Kortun, um dos idealizadores da Bienal de Istambul, hoje diretor da Platform Garanti Contemporary Art Center, em Istambul, pensou sobre a natureza do trabalho curatorial hoje e deu início a sua palestra falando sobre o “duplo exílio” vivido por um curador independente hoje. Novamente, o tema do deslocamento e das diferenças regionais estava em pauta. “Financeiramente, trata-se de uma profissão que não garante um futuro. E hoje, em um mundo cultural trade-oriented, marcado pelas relações de valor e de troca, temos visto práticas bastante questionáveis de parte de nossos colegas, especialmente nos EUA e Europa, cujo meio de arte contemporânea está sendo palco para relações entre o público e o privado em nada transparentes”, afirmou Kortun.

Assim que o mediador abriu para a participação da platéia, o primeiro a se manifestar foi o colecionador argentino Jorge Helft, descontente com a inserção da mostra Tucumán Arde na exposição do curador Roger Buergel. O marchand lembrou da importância do projeto, uma referência história para a arte contemporânea argentina no século 20, e que não se restringia aos limites do “espaço expositivo” e os dias em que esteve aberta, mas se expandia na relação com os trabalhadores e com a comunidade de trabalhadores de Tucumán, que haviam sido prejudicados por políticas governamentais.

Ana Longoni (pesquisadora da Faculdade de Filosofia e Letras da Universidade de Buenos Aires e historiadora da arte), fez eco ao colecionador, lembrando que havia de fato uma integração entre os artistas e a população. “A idéia era justamente abandonar o meio artístico e ser confrontado por outras realidades”, disse ela.
Em resposta, Buergel disse que de fato ele deslocou o trabalho de seu contexto original, e que é legítimo fazer isso. “Tenho grande afeto por este projeto. Mas acho correto reinserir as idéias em novos contextos, de maneira produtiva e em nome de uma proposta clara. Na Documenta, quero propor uma experiência integral, investindo sobre as relações entre, de um lado, a política, e, de outro, a subjetividade e a experiência estética.”
O curador alemão, que foi duramente questionado pela platéia, disse ainda: “A Documenta recebe cerca de 650 mil pessoas, sendo que 80% são alemães, e a maioria deles estará vendo a única mostra de arte contemporânea do ano. Quero enfatizar o potencial que uma exposição possui, a fim de reconectar a arte com seu público”.

Vasif Kortun retomou a polêmica posição de Buergel referente ao investimento do museu nos acervo, defendeu a possibilidade de mostras temporárias e perguntou: “Onde iríamos realizar exposições senão nos museus?”. Ao que Buergel respondeu: “Acho que está havendo um mal-entendido em relação ao que eu disse. Eu proponho recursos direcionados para formar uma coleção, e não apenas para atender à atual demanda mercadológica por exposições. Para educar o público, mas também para não ficarmos reféns daquela rede mafiosa de curadores internacionais que aparecem sempre com os mesmos artistas”.

O mediador Robert Fleck deu por encerrado o painel de discussão dizendo que, apesar de o painel ter fugido de seu tema oficial (que seria o debate em torno dos métodos curatorais no mundo hoje), foram apresentadas quatro diferentes caminhos possíveis e que todos apontavam para uma mesma conclusão: a de que a arte e as exposições são a respeito de pensar e de pensamento, assim como devem ser os museus.


(por Fernando Oliva)