O tema principal da palestra de Walter Mignolo, professor que tem o título de distinção "William H. Wannamaker" em estudos de literatura e leciona também antropologia cultural na Duke University, em Durham, nos Estados Unidos, foi o papel do museu na colonização do conhecimento e dos "seres", questionando sempre como "de-colonizá-lo". A sua apresentação foi dividida em três partes: a primeira, tratando de considerações genéricas, foi alterada para dialogar com os debates travados na conferência; em seguida, foram apresentadas imagens da instalação "Mining the Museum", de Fred Wilson, no Maryland Historical Society; por fim, Walter apresentou seu argumento formulado nas oito últimas páginas do texto preparado para o evento e publicado nesse site.
Discorrendo sobre o conceito de cultura, o palestrante afirmou que esta surgiu como um substituto para a religião; a modernidade utiliza uma retórica da salvação, através do progresso, do desenvolvimento, da tecnologia e da democracia, como assistimos atualmente na intervenção americana no Iraque. Tal retórica, nos impede de perceber que existem movimentos contrários aos processos de modernização e europeização mundiais. Retomando os debates anteriores, o professor espanhol relembrou um problema insinuado por Ursula Biemann e recolocado pela manhã por Zdenka Badovinac, ao considerar propostas artísticas marginais ou periféricas. Na sua concepção, a abordagem de Zdenka indicou uma mudança de paradigma que reflete uma "epistemologia da coexistência". Mignolo situa este novo paradigma na passagem de uma teoria pós-colonial, advinda de uma epistemologia estritamente eurocêntrica, para uma nova formulação conceitual de "de-colonização", surgida nos anos 80 e 90 para repensar a teoria da dependência.
Antes de abordar a problemática dos museus, Walter Mignolo pediu para os participantes memorizarem três expressões: colonialidade de poder, conhecimento e "ser", fundamentais para a sua argumentação. No decorrer do processo histórico, os museus seguiram duas vias opostas: os museus de arte com o objetivo de construção da história européia e os museus de etnografia e história natural voltados para as outras culturas. Contudo, ambos adotaram a mesma lógica de acumulação do conhecimento, ligada ao capitalismo, mapeando o processo de expansão européia sem levar em conta os movimentos de contestação e resistência. Como exemplos, foram citados: The Field Museum, tendo como objeto a etnografia e a história natural, e o Insituto de Arte de Chicago, voltado à arte e à civilização.
Em seguida, o palestrante apresentou uma instalação do artista americano de descendência afro-americana e caribenha Fred Wilson, representante de seu país na Bienal de Veneza em 2003. O trabalho de Wilson não apresenta obras feitas pelo artista, mas reagrupamentos de coleções de museus, utilizando técnicas expositivas institucionalizadas, que nos levam a adotar um novo ponto de vista sobre estes objetos. As imagens apresentadas ilustraram os seguintes trabalhos: 1. "Cabinetmaking" (1992) - um conjunto de cadeiras arrumadas para um "concerto musical", onde no lugar da apresentação, o público assistiria ao castigo de um escravo; 2. "Metalwork" (1793-1880) - grilhões rodeados por pratarias; 3. "Modes of Transport" (1770-1910) - no detalhe, uma vestimenta utilizada pela Ku Klux Klan dentro de um inocente carrinho de bebê; 4. "Welcome to Mining Museum; the reception hall" - pedestais nivelando o nome de escravos e o busto de figuras históricas como Napoleão num mesmo patamar; 5. "Punt gun" - um rifle aponta para imagens de patos e escravos africanos. Também foi projetada uma fotografia antiga em preto e branco, intitulada "Picnic at wye house", cujo significado seria revelado no final da palestra.
Walter Mignolo iniciou a apresentação do seu argumento comentando um artigo de Holland Cotter, intitulado "Bombando ar no museu, para torná-lo tão grande quanto o mundo lá fora", publicado no New York Times, em abril de 2004, sobre a exposição "Objetcs and Installations, 1979-2000" de Fred Wilson. A importância deste artigo está no fato do autor utilizar o pós-modernismo, uma teoria ligada ao pós-colonialismo, como argumento para defender o trabalho de Wilson. Para Mignolo, as instalações de Fred Wilson não têm nenhuma relação com o pós-modernismo, pós-colonialismo ou pós-estruturalismo, teorias restritas às histórias e experiências européias. Pelo contrário, elas contribuem para o pensamento "de-colonial", um verdadeiro deslocamento epistemológico, adotado na América Latina pelas ciências sociais, pela filosofia e pela teologia da libertação. Nas suas palavras, "de-colonialidade significa a de-colonização de ser e conhecimento, de gênero e sexualidade, de autoridade e de economia".
Nesta nova perspectiva apresentada, seria importante a "de-colonização" do indivíduo; "o aprender a ser", "o aprender a desaprender a modernidade". Comentando os debates da manhã, o professor afimou que se tomarmos a modernidade como um ponto de chegada, estamos fadados ao fracasso. O processo de "de-colonização" envolveria um desligamento das categorias do pensamento hegemônico. Desligar significa abertura, romper os laços com o eurocentrismo do nosso pensamento marcado pela hegemonia do branco sobre o negro. Neste contexto, o museu teria o importante papel de "de-colonizar" o ser e o conhecimento, mas seria preciso questionar o museu, pois ele exclui todas as negações da modernidade. "É preciso desfazer esta retórica da negação".
Relembrando os protestos recentes na França, um dos tópicos da fala de Brian Holmes no dia anterior, Mignolo falou sobre a "ferida colonial", resultado da humilhação imposta ao colonizados. A consciência de um "sentimento de humilhação", de ser "racializado", seria um dos estopins da crise atual. O professor retomou também o conceito de "vida nua" (bare life), debatido pela manhã, vinculando-o à humilhação dos judeus no Holocausto, segundo ele, "aplicação das técnicas coloniais aos brancos". A escravidão trasnforma a pessoa numa mercadoria, portanto, o problema fundamental seria o fato da colonização tratar a vida humana como descartável, perspectiva adotada também pelo neo-liberalismo.
Por fim, Walter Mignolo afirma ter transmitido algumas idéias sobre aquilo que ele busca com o conceito de "de-colonização" e revela o mistério da fotografia "Picnic at wye house": o foco de luz está sobre um homem negro, rodeado por brancos, que nós não percebemos. Estamos condicionados a negar o "outro", mas a "de-colonização" do saber seria capaz de colocar este "outro" em foco.
(por Vinícius Spricigo)
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