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Mass-media vs micro-mídia

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CIMAM 2005 Annual Conference
“Museums: Intersections in a Global Scene”

Relato sobre a conferência “Dialogismo e polifonia: um projeto de vídeo como micro-política da imagem” [Dialogism and Polyphony: a Video Project as Micro-politics of the Image], de Maurizio Lazzarato.


Em sua conferência no encontro anual de 2005 do CIMAM, Maurizio Lazzarato tratou do projeto colaborativo de edição videográfica “Timescapes” e defendeu o desenvolvimento de micro-mídias como esfera de construção de processos de subjetivação. O filósofo e sociólogo italiano radicado na França, co-editor da importante revista trimestral de política, arte e cultura “Multitudes” e autor do livro “Trabalho Imaterial” (publicado no Brasil pela editora DP&A), destacou primeiramente o papel de pensadores como Jacques Rancière e Félix Guattari na compreensão da mudança de estatuto da produção cultural no mundo contemporâneo e de suas implicações políticas.

Enquanto Rancière se restringe ao campo da história da arte, tendo como paradigma estético o projeto emancipatório que decorre do desenvolvimento da arte moderna, e vê na separação entre arte e vida a garantia de que a arte não se submeta à lógica da mercadoria nem à lógica da divisão de trabalho, Guattari propõe um novo paradigma estético do ponto de vista da produção social. Ao trabalhar com este novo paradigma, Félix Guattari recupera uma outra tradição, que parte de Duchamp e também de Beuys. A crítica de Duchamp aos dispositivos das belas artes abre espaço a um discurso sobre a produção de subjetividade.

“Os dispositivos materiais e técnicos devem sair do contexto da arte e partir para uma proposição de que a criação seja uma possibilidade a todos”, afirmou Lazzarato. Segundo ele, Guattari oferece pistas sobre como pensar a produção de subjetividade reempregando dispositivos artísticos, ou seja, permite ver o sentido do paradigma estético em produções que não se referem necessariamente à arte ou que não têm a arte como ponto de partida. O projeto “Timescapes”, de Angela Melitopoulos, é um exemplo disto.

Segundo Lazzarato, um projeto artístico pode ajudar a pensar por que o projeto de constituição européia fracassou. “Timescapes” é um trabalho desenvolvido por cinco colaboradores distribuídos ao longo do antigo eixo europeu entre Berlim e Istambul, território geográfico de memória que o grupo denomina “B-zone”. “Ao explorar uma Europa que não está congelada em Estados-nação, ‘Timescapes’ revela um continente que está se fazendo, explora a evolução geopolítica deste espaço e de suas populações do ponto de vista das dinâmicas de migração e dos movimentos de diáspora, e fornece uma forma de nos interrogarmos sobre políticas de migração como continuação de políticas coloniais”, afirmou.

“Timescapes” é um projeto de vídeo que busca ver e tornar visível o que está acontecendo nos confins da Europa. “Ver e tornar visível o que os políticos e a mídia não vêem e não tornam visível, atualizando uma das potencialidades que o cinema nunca deu conta de realizar: em lugar de ver e tornar visíveis estórias, ver e tornar visível a história”. Angela Melitopoulos estabeleceu como ponto de partida do projeto refazer a viagem que sua família costumava fazer, e tantas outras famílias de imigrantes também, entre Alemanha à Grécia, mas precisou decidir entre trabalhar “sobre” ou “com”, ou seja, realizar vídeos “a respeito” daquele contexto, da forma tradicional como se fazem documentários e registros, ou em colaboração, junto de outros realizadores de vídeo que operam naquela região.

A diferença entre construir um trabalho “sobre” ou “com” está, segundo Lazzarato, em ver o outro no lugar de observado, no lugar onde sempre é colocado, que é diante da câmera, ou, na segunda opção, em “negociar” e trabalhar em parceria.

Cada tipo de atuação exige um dispositivo diferente. Como Angela Melitopoulos optou por envolver outros artistas no projeto – um videoartista de Belgrado que trabalha no contexto pós-guerra na Sérvia, um cineasta de Atenas que desenvolve um trabalho em um espaço que serve de ponto de encontro para migrantes recém- chegados à cidade, e um grupo de videoativistas de Ankara que organizam filmes sobre migrações internas forçadas de curdos e turcos –, ela teve de encontrar o dispositivo adequado: “Para interrogar dinâmicas micro-políticas é preciso desenvolver técnicas de micro-mídia”, defendeu Lazzarato.

“Timescapes” é uma plataforma eletrônica, uma micro-rede que contém um banco de dados de que todos podem se valer para construir novos aspectos de sentidos e novos dispositivos de comunicação; trata-se de uma plataforma para construir relações, mais do que produtos culturais acabados. Ali, o agenciamento técnico entra em processos de subjetivação que diferem dos processos midiáticos convencionais. A leitura daquilo que o outro selecionou e agenciou demonstra outras possibilidades de visão de uma dada realidade.

Por se tratar de uma construção polifônica que nunca se completa, que é contingente e não totalizante, “Timescapes” torna visível a intersecção entre estética e política, uma vez que apenas a visão sobre o movimento de pequenos grupos (seja de migrantes ou outras minorias) em brechas do espaço geopolítico pode garantir uma apreensão realista das dinâmicas históricas da atualidade.

(por Juliana Monachesi)