As sessões introdutórias do encontro anual do CIMAM focaram o subtítulo da conferência, "Museus: Intersecções numa Cena Global". Marcelo Araújo, diretor da Pinacoteca do Estado de São Paulo, instituição que recebeu o evento, abriu o primeiro dia de trabalhos agradecendo a todos os agentes envolvidos na organização do CIMAM 2005, e enfatizando que a realização dessa conferência no Brasil atribui ao país e à América Latina uma posição de destaque frente às deliberações sobre os procedimentos e linhas de atuação dos museus de arte moderna e contemporânea.
Fabio Magalhães, secretário de Cultura Adjunto da Secretaria Estadual de Cultura de São Paulo, comentou as mudanças na área de museologia nos últimos 20 anos no Brasil, principalmente nos museus de arte moderna e contemporânea, o que está sendo possível pelos investimentos na profissionalização das instituições públicas e privadas. Magalhães chamou a atenção para o fato de que no Brasil as duas instituições que em sua opinião ocupam lugar de maior destaque no cenário artístico estão sob a custódia do poder público: o Museu Nacional de Belas Artes no Rio de Janeiro e a Pinacoteca do Estado de São Paulo, que por conseqüência estão colocando o país em destaque no cenário mundial das artes.
Magalhães passou a palavra para Alfred Pacquement, presidente do CIMAM, que enfatizou a importância do encontro anual do comitê acontecer no Brasil dado o momento de pleno desenvolvimento dos museus de arte moderna e contemporânea na América Latina, com toda a sua diversidade e economia específicas. Pacquement elogiou a densa programação do encontro, que incluiu visitas a galerias de arte, coleções particulares e instituições de arte em diferentes estados. Atento à participação intensa de membros europeus e norte-americanos do CIMAM nessa conferência, Pacquement lembrou que as deliberações do encontro certamente terão repercussões também fora da América Latina, através dos participantes norte-americanos e europeus presentes na Pinacoteca.
Luís Bolcato Custódio, presidente do ICOM no Brasil, também abordou a importância do tema escolhido para a conferência e a proximidade com a realidade brasileira, pois no país vivenciamos as intersecções regionais, que serão percebidas nas visitas que os membros do comitê irão realizar ao Rio de Janeiro, Minas Gerais e Porto Alegre, locais que combinam realidades patrimoniais e artísticas tão diversas.
Alissandra Cummins , diretora do ICOM falou sobre a importância de trazer para a área da arte moderna e contemporânea considerações sobre a diversidade cultural presente na realidade global e também citou com entusiasmo a diversidade cultural brasileira, representada nas exposições em Paris do Ano do Brasil na França.
Sua fala ressaltou a responsabilidade dos museus de arte em problematizar as políticas, a economia e as situações sociais vigentes, salientando a importância histórica dos museus regionais, que ajudaram as minorias a alcançar emancipação e o esforço que os museus dos grandes centros precisam fazer para garantir a interlocução com seu público local. Assim o CIMAM precisa ser sensível a todo este contexto que envolve a preservação do patrimônio em situações críticas em locais diferentes. Cummins lembrou que em 2006 o ICOM completa 100 anos, que serão comemorados pelos distintos comitês com o tema Museus e público jovem dada a urgência de difundir para a nova geração o valor das instituições de arte.
Museums: Intersections in a Global Scene Conference Guidelines by Manuel Borja-Villel and Ivo Mesquita
Segundo a fala de Borja-Villel, os museus têm sua origem no século XVI e desde seu nascimento estabelecem uma ligação com a colonização das Américas e da África. Os viajantes reuniam em seus gabientes de curiosidades o que julgavam representar o novo mundo em sua totalidade. Do século XVI até a contemporaneidade os museus evoluíram para uma posição fundamentalmente educativa e crítica, mas Borja-Villel lembra que é necessário criar novos vínculos com o público, pertencer menos ao passado e mais ao futuro. Os museus precisam assumir com urgência sua vocação educativa.
Para Borja-Villel, a globalização não é mais uma novidade, está presente nas mais diversas situações e nada mais é que uma nova forma de colonização. Esta globalização também acarreta em um consumo da arte como alimento do capitalismo e da geração de lucro, aumentando assim o risco de banalização da arte e da cultura.
Por estes motivos a escolha do tema Museus: intersecções no cenário global foi estratégica. O tema está dividido em três linhas que serão desenvolvidas pelas conferências, painéis e discusões abertas. São eles:
- O Museu de Arte Hoje - Novas formas de exposição - A Geopolítica da Arte
Ivo Mesquita considera que a Pinacoteca do Estado, ao receber a conferência anual do CIMAM, encontra uma oportunidade de incluir o Brasil na seara das discussões internacionais acerca da arte moderna e contemporânea mas citou a dificuldade que profissionais brasileiros têm para aderirem ao CIMAM, principalmente devido ao custo da anuidade. Para Mesquita, o Brasil passa hoje por um momento de construção dos museus, enquanto que os países desenvolvidos possuem museus totalmente inseridos no sistema das artes.
Os museus brasileiros abrigam coleções formadas por gestões políticas com diferentes interesses e sem critérios de continuidade, o que por um lado forma um discurso descontínuo, mas por outro lado contribui para a formação de uma cultura mestiça, característica da formação da nação brasileira. Mesclando o gosto acadêmico, as posteriores aquisições de obras modernistas e atualmente trabalhos de artistas contemporâneos de destaque, a Pinacoteca do Estado de São Paulo reflete essa diversidade.
Ainda sobre o tema da diversidade, Mesquita aborda o barroco brasileiro, primeiro movimento artístico desenvolvido em um território que constrói sua linguagem no sacrifício de escravos de origem africana. Após este período, com o estabelecimento de escolas de artes e ciências e consequente disseminação do ideal iluminista, surgem no Brasil os primeiros museus, desde sua fundação tentando negar o passado escravocata. Apenas no ano de 2003 surge um museu que discute a identidade afro-brasileira, assumindo culturalmente a exploração dos escravos africanos na formação do país.
Ainda bastante crítico em relação a atuação das instituiçòes brasileiras, Mesquita mencionou o acolhimento de importantes exposições de arte estrangeiras, que geralmente chegam ao país em pacotes fechados, impedindo o estabelecimento de conexões com a arte brasileira. O que esse tipo de exposição marca na memória do público é a grandiosidade e qualidade dos acervos estrangeiros, sem qualquer ganho de conhecimento sobre o patrimônio brasileiro -- e aqui vale lembrar uma exceção a essa regra que foi a curadoria que Ivo Mesquita fez em conjunto com o Stedelijk Museum em 2004, mesclando obras de ambas coleções.
Perto de completar 200 anos de liberdade, o Brasil está buscando assumir sua cultura mestiça e não híbrida, pois aquela se formou espontaneamente com a relação dos povos aqui viventes, carregando consigo as marcas do preconceito e da formação de castas. o que a difere da hibridização, que é um processo de laboratório.
Concluíndo estes pontos de intersecção entre a Pinacoteca do Estado, a cultura no Brasil e a situação global, Mesquita afirmou que os museus brasileiros precisam desenvolver suas potencialidades, sem mágoas e maniqueísmos, para que a trajetória social do país seja realmente consagrada como herança cultural e consequentemente se torne matéria de crítica educativa.
(por Viviane Sarraf)
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