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Educação e Política na Ação Educativa & Acervo de Obras de Lasar Segall — relatos das mesas VII e I.

Relato por Luiza Mader Paladino

Ciclo de Debates Museu Lasar Segall 50 Anos. 1967 – 2017

 

Mesa VII: Educação e Política na ação educativa, com a participação de Amilcar Packer, Denise Grinspum e Elaine Fontana (mediadora); Mesa I: Acervo de obras de Lasar Segall, com a participação de: Paulo Pasta, Stella Teixeira de Barros e Marcelo Monzani (mediador)

Relato por Luiza Mader Paladino


Mesa VII: Educação e Política na ação educativa

Participantes: Amilcar Packer, Denise Grinspum e Elaine Fontana (mediadora)

 

Como pôr em funcionamento medidas concretas e afirmativas relacionadas às áreas de arte, educação, patrimônio, museu e política na contemporaneidade? Quais foram as mudanças efetivas no histórico das ações educativas realizadas no Museu Lasar Segall (MLS) ao longo das últimas décadas? Esses foram os disparadores do debate entre os palestrantes e o público.  A primeira fala, de Denise Grinspum, centrou-se na sua atuação na Área de Ação Educativa do MLS e, também, na diretoria do Museu (2002-2008). As contribuições que ela trouxe para a área são referências até hoje na formação de professores e em outras instituições culturais. A formação ampliada e continuada abarca inúmeras etapas: a realização do material educativo, a relação entre a obra de arte e os variados tipos de público e a ponte que estabelece com o espaço cultural e a escola. Denise tem anos de experiência no campo, investigando como as estratégias educacionais podem servir para que possamos analisar criticamente materiais, objetos, patrimônios do Museu, e suas diversas nuances.

Os cinquenta anos do MLS ressaltam-no como lugar privilegiado de formação e aprendizagem, aos moldes de um museu laboratório[i] de experiência acumulada. De 1967, ano de sua abertura como entidade familiar e privada, até 1985, quando o Museu tornou-se público, priorizou-se um modelo francês de pequenos espaços que favoreciam relações e vínculos mais concretos com a comunidade do entorno, distanciando-se do padrão de grandes museus. Esse modelo foi aplicado a partir das experiências do filho do pintor, Maurício Segall, primeiro diretor da instituição, um homem de esquerda com formação em sociologia na França e que acabou importando, ao modo de André Malraux, esse novo paradigma de casas de cultura descentralizada europeias para o Museu paulistano. A instituição museológica não deveria ser um sarcófago nem um depósito de luxo, mas um espaço aberto, com diversas áreas de atuação, que estimulasse o potencial criativo de seus visitantes. Contudo, acreditava-se que apenas a presença do visitante no espaço expositivo fosse o suficiente para desbloquear a esfera criativa, propiciando uma experiência estética concreta.

Na transição da chamada “fase familiar” para a esfera pública, durante a década de 1980, houve um fenômeno particular em algumas universidades e instituições culturais no país: a gradual profissionalização da museologia e da história da arte, por meio da abertura de cursos técnicos e de graduação. Esse fator, de algum modo, acabou alterando a forma como se administrava o MLS. Houve uma abertura do espaço para pesquisadores e alunos dos cursos de museologia, criando-se um processo interdisciplinar que transitava entre a salvaguarda dos objetos e sua extroversão. Nesse período, Denise já coordenava o serviço educativo e uma das pautas de discussão foi sobre a escolha da nomenclatura mais adequada: educativo, arte educação, serviço educativo, ação educativa, etc. Não era apenas uma prestação de serviço, mas um trabalho em que se dava a condição para os visitantes interagirem e refletirem sobre o espaço e as obras. A equipe optou por ação educativa, por abarcar todo o processo que envolvia desde a elaboração curatorial das exposições, o material educativo, a acessibilidade dos textos de parede (ressaltado pela palestrante como um dispositivo completamente diferente dos textos publicados em catálogos, que deveriam ser de cunho mais teórico) até o contato com os visitantes. É válido apontar que não havia pressão pelo alto número de visitantes, mas sim um incentivo por experiências exemplares, uma exigência cada vez mais distante dos museus e centros culturais atuais, regidos pela lógica neoliberal.

Outro divisor fundamental foi a experiência com as novas metodologias de leitura e estudo de imagens desenvolvidas em importantes pesquisas durante as décadas de 1980 e 1990. O MLS novamente deu seguimento à sua qualidade de “museu laboratório”, experimentando estratégias de leitura de imagem, de modo a exercitar o olhar do visitante por meio da aplicação de diferentes métodos. Denise citou o sistema desenvolvido por Robert Ott, chamado Image Watching, baseado em cinco níveis de leitura de imagem: descrição, análise, interpretação, fundamentação e revelação. Eram perguntas que visavam estimular a capacidade estética do visitante. Contudo, o método Ott baseava-se num sistema fechado e rigoroso, sem aberturas para outras possibilidades de aplicação. Outra teórica importante para o desenvolvimento e execução de novas metodologias de leitura de imagem no Museu, segundo a palestrante, foi Abigail Housen.  A norte-americana propunha um método de cinco estágios de apreciação estética mais dinâmicos e construtivos, no qual o visitante era instigado a observar, analisar, interpretar e associar livremente a partir de suas lembranças pessoais. Entretanto, foi Amelia Arenas, educadora venezuelana que dirigiu por anos o departamento educativo do MoMA, que mais contribuiu, segundo Denise, nas ações educativas do MLS. Diversos materiais educativos e textos de parede foram refeitos com o auxílio de Arenas, que esteve presente no MLS, em 1994. Por fim, a palestrante frisou a importância do MLS como local privilegiado de pesquisa e atuação, onde pôde evidenciar a diferença entre ser arte educador em museu e fora desse espaço. O contexto de ensino e aprendizagem no museu tem princípios próprios e devem ser levados em conta, diferente no contexto escolar, por exemplo.

O segundo palestrante, Amilcar Packer, buscou um procedimento não linear em sua exposição, focando nos modos de compartilhamento de experiências de afeto e subjetividade a partir do âmbito da política e da coletividade. Ele lembrou que durante parte da infância e adolescência frequentou os espaços do museu e frisou o quanto aquele espaço era importante em sua formação. Ao iniciar sua fala, propôs um exercício de livre imaginação com o público: sugeriu que os presentes fechassem os olhos e rememorassem o trajeto desde a hora que acordaram até a chegada ao Museu. Esse exercício especulativo gerou uma série de questionamentos que conduziram toda a fala de Amilcar. Qual a expectativa de estar em um Museu hoje? Quem costuma habitar aquele espaço? O que os museus têm a oferecer para quem decide estar dentro deles? Qual é a potência de afeto que essas instituições podem despertar na nossa realidade? O museu nos afeta? Se estamos ligados a práticas de aprendizagem coletiva, o quanto estamos disponíveis para algo que pode nos afetar? A realidade cada vez mais hostil amortece as subjetividades, gerando uma expectativa maior entorno do papel educativo dos museus. Afinal, todo o processo de aprendizado é, também, um processo de descentramento.

Amilcar faz uma pequena correção na proposta de sinopse de sua fala e ressalta que jamais usaria o termo “ato de educar”, pois neste ato cria-se, necessariamente, uma relação hierárquica de quem educa. As instituições museais são vistas como guardiãs e provedoras de cultura e partem do pressuposto de que o povo não possui cultura, reforçando a segregação econômica e racial. Desse modo, a educação pode servir a dois projetos completamente opostos: um de marca colonial e civilizatória, e outro, que potencializa a autonomia e emancipação do sujeito. É fundamental dar vasão às esferas participativas e pressionar para que as instituições tenham mais representatividade. Afinal, quantas mulheres negras ou mulheres trans estão efetivamente ligadas à gestão desses espaços? As instituições precisam acompanhar as transformações da sociedade, pois se novos corpos começam a habitar esses lugares, surgirão rachaduras capazes de gerar ambientes acolhedores de contradição. É emergencial que os museus vejam seus pontos cegos! O palestrante lembra das políticas culturais promovidas pela gestão de Gilberto Gil, quando foi ministro da Cultura, que visavam estimular diversos pontos de cultura baseadas na troca efetiva e não apenas na instituição tradicional como provedora exclusiva de conhecimento. O Brasil é uma colônia – afirmou o palestrante – e somos frutos de uma invenção colonial e a partir do momento que se fala em educação no país, esses projetos tem algum caráter civilizatório e pacificador. A unidade linguística se deu, por exemplo, pela proibição de outras línguas e historicamente houve uma cisão entre escola pública e privada, fruto de uma enorme desigualdade de classe e racial. De acordo com Amilcar, as instituições museológicas devem lidar com essas disparidades e contradições históricas. E um caminho real de transformação desse cenário catastrófico seria ampliar os lugares de decisão e gestão das instituições, por meio de uma representatividade efetiva. Além de políticas afirmativas, é fundamental desenvolver um mecanismo de escuta. Como uma instituição pode gerar mecanismos de escuta ou como o museu pode gerar um novo pacto social? Amilcar lembra de uma experiência exemplar de pacto social na museologia, que foi o caso Museu da Solidariedade[ii], durante o governo Salvador Allende, no Chile (1970-1973). Foi enorme a importância simbólica desse Museu para a legitimação do projeto político da Unidade Popular, primeiro governo socialista democraticamente eleito na região. Exilado no Chile desde 1970, o crítico brasileiro Mário Pedrosa ajudou a criar esse Museu, por meio do apoio de uma ampla rede de críticos de arte e intelectuais de prestígio, para angariar a doação de obras de artistas internacionais simpatizantes da causa socialista chilena.  Certamente não era a obra em si, mas a resistência política, assim como a doação e a solidariedade que representavam esse apoio. O que fazer hoje, 44 anos depois do golpe? – Perguntou o palestrante –  Como essa instituição se reinventa? Ou, no contexto da palestra, como o Museu Lasar Segall, por exemplo, que tem como marcador histórico a atuação política de seu fundador, Maurício Segall, entra uma sintonia com as demandas da atualidade? Ressalta-se o papel do museu como lugar de exercício de experimentação e não apenas de resguardo. São esses exercícios que irão reinventar e ampliar o público daqui a cinco ou cinquenta anos.

 

Mesa I: Acervo de obras de Lasar Segall

Participantes: Paulo Pasta, Stella Teixeira de Barros e Marcelo Monzani (mediador)

O encontro Acervo de obras de Lasar Segall abordou momentos basais na trajetória artística do pintor, da Europa ao Brasil, e sua inserção no modernismo brasileiro, quando o artista passou a residir em São Paulo, em 1923. Além disso, foi proposta uma análise a partir do acervo do Museu Lasar Segall (MLS), que atualmente possuiu mais de três mil obras do artista, entre esculturas, pinturas, gravuras, desenhos e mobiliário. Esse vasto acervo incorpora mais de cinquenta anos de atividade criativa do artista, além de representar o cinquentenário do Museu que, em 1985, deixou de ser uma instituição privada-familiar para tornar-se pública, quando foi incorporada ao IPHAN – Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional.

Os palestrantes convidados foram Stella Teixeira de Barros, crítica, educadora e curadora, que falou de sua experiência na curadoria da mostra A Maternidade em Lasar Segall: Memória e Construção, no ano 2000. E Paulo Pasta, artista e docente, que se debruçou sobre a relação entre expressionismo e contenção, partindo de uma leitura formal que evidenciou o vínculo da cor com o humanismo dos temas pelos quais o artista transitou.

A maternidade foi um assunto recorrente na obra de Segall, tópico que ele recorreu desde os primórdios de sua produção, ainda na Europa, até o final de sua vida. Stella Teixeira de Barros retoma esse tema quase vinte anos depois da exposição que organizou em Ribeirão Preto e Campinas. A maternidade é de extrema importância na trajetória do pintor, assim como foram os diversos retratos, a ênfase na origem judaica, as paisagens, naturezas-mortas, entre outros. A maternidade torna-se um dispositivo privilegiado que permite penetrar na obra de Segall, ao ser explorada em diferentes técnicas e linguagens. Por meio dessas distintas maternidades, pode-se observar a poética do artista. E em todas elas, de acordo com Stella, há a expressão de um conhecimento harmônico e profundo das técnicas que emprega. A temática já aparece nos primórdios da carreira de Segall, em 1909, lembra a palestrante. E continua, ao mencionar a passagem do artista pela primeira vez no Brasil, entre 1912 e 1913, quando foi aconselhado a apresentar obras de caráter menos “modernizantes”, já que o público brasileiro, mais conservador, não estava acostumado com esse perfil que iria marcar o circuito modernista poucos anos depois. Em 1923, já fixado no Brasil, Segall estabelece interlocução com Mário de Andrade, que será tocado pela obra do pintor. Mário comenta que há uma nova percepção da pintura realizada por Segall, após passar por Berlim, Dresden, antes de se transferir definitivamente para o Brasil. Aqui, ele é atingido pela luz, distanciando-se brevemente de uma temática sombria de seus tempos europeus. Há uma nova paleta, comenta Stella, em sintonia com os textos de Mário de Andrade, de cores claras e cômodas. A linha passa a ter uma função determinante, de modo ondulante e suave. Nesse momento, ele ainda continua com uma preocupação de construção geometrizante, mas não tão aguda como na fase europeia expressionista do Die Brücke. No final da década de 1920, Segall retorna à Europa, passando quatro anos em Paris, onde desenvolve trabalhos sobre os mangues brasileiros e, também, sobre emigrantes, motivos estes que anos depois culminariam na obra Navio de Emigrantes (1939-1941). É nesse período que gradualmente abandona o uso de cores e linhas incisivas, tornando-as mais suaves. Stella volta ao tema da maternidade, dessa vez por meio de seu caráter simbólico, ao envolver uma memória afetiva que é introjetada por meio de família nascente. O que impressiona a palestrante em relação à pintura do artista é a introjeção dessa memória a uma maternidade platônica, que não é reflexo imediato do tema (em seu sentido narrativo). Nesse viés, a memória ganha uma existência e um sentido de resgate, sempre com um espírito voltado para as questões da pintura. É um momento privilegiado da imaginação, uma absorção interna que cristaliza-se na pintura através de planos definidos, luz frontal e cores mais suaves. Stella comenta sobre a evolução interna nos trabalhos de Segall, passando por um rigor formal mais agudo, na época de Dresden, que se aplaina na busca de luz, cor e ritmo. Por fim, retorna à questão da memória ao apontar a sua importância para o pintor, como resgate de lembranças. Quando o passado é destruído, resta a memória. O retorno ao passado com espírito moderno se projeta no presente – momento privilegiado da imaginação!

A fala de Paulo Pasta condensa um olhar sensível de alguém que domina a expressão pictórica, privilegiando aspectos internos e formais da obra de Segall. Primeiramente, Paulo frisou a importância do MLS em sua formação, quando frequentava os laboratórios de redação e outros espaços da instituição. Seguidamente, ressalta a particularidade daquele lugar, uma das poucas experiências museológicas no país em que a casa de um artista, bem como seu acervo, tornam-se públicos e abertos aos visitantes. Sobretudo, em um momento onde projetam-se propostas museais grandiosas e espetaculares, como é o caso do Museu do Amanhã, em vez de priorizar projetos menores voltados para a comunidade. O convite para participar da mesa de debates foi uma oportunidade para Paulo conhecer mais profundamente a obra de Lasar Segall. Além da pesquisa de imagens, ele ressaltou o valor de três críticos basais para a compreensão da obra do artista lituano: Mário de Andrade, Rodrigo Naves e Mário Pedrosa; assinalando que aspectos críticos que ainda estavam encasulados no texto do Mário de Andrade foram retomados e complementados pela leitura de Rodrigo Naves. Já Pedrosa, no texto “A Bienal de cá para lá”, em que faz um balanço dos quase trinta anos da Bienal, aponta uma particularidade de Segall em relação aos seus pares modernistas. Essa geração heroica partilhou um programa comum nacional, contudo atribuía-se ao artista estrangeiro uma pintura mais filosófica e invertida, distante da maneira brasileira, mais sentimental, ingênua e extrovertida, de acordo com a leitura do crítico pernambucano. Segall não era um pintor metafísico, mas filosófico, como se filosofasse pintando. A paleta inclinada para os tons de terra era típica de alguém que observava as coisas de perto, como se as cores partissem de uma lógica interna e não de fora. Paulo Pasta lembra de Iberê Camargo, outro grande pintor expressionista brasileiro, e suas primeiras paisagens que parecem explosões e não estabelecem quaisquer referências com a natureza externa, mas com algo que vinha de dentro dele: iluminações interiores sombrias e terrosas. Cita Iberê, “pinto porque a vida dói”. E volta a Segall, recordando o primeiro contato do pintor com o Brasil, quando tenta assimilar toda a brasilidade por meio de sua experiência pictórica. O país lhe ensinou muito sobre a cor, entretanto, ele vai abandonando gradualmente esse primeiro impacto. Segall é regido por uma condição nostálgica, de uma saudade que vem dos tempos. Para ele, a tragédia humana era a premissa da pintura.

Mário de Andrade foi o primeiro a mencionar essa breve passagem de Segall pela fase brasileira, demonstrando que o repentino abandono se deu justamente pelo aspecto filosófico e histórico de sua obra. Ele sai do regional para atingir um estado universal. Segall não era um colorista como fora Volpi, todavia, a cor assumia um papel fundamental em suas obras. O palestrante lembra da importância de Van Gogh para o movimento expressionista, assim como Cézanne fora decisivo para as vertentes construtivistas. Para o pintor holandês, a cor tem um sentido moral. A carga simbólica dessa cor é essencial para as gerações posteriores. Paulo Pasta estabelece um paralelo entre o uso da cor em Van Gogh e Segall. Para o primeiro, toda a vibração do colorido é expressão de humanidade. Para o segundo há um movimento contrário, que passa pela escolha da cor em seu sentido de sobriedade e “não eloquência”. Nesse aspecto, a cor estabelece um sentido ético e moral, assim como a vibração colorida tinha para o holandês. Para Mário de Andrade, um golpe do pincel de Segall mais esconde que revela. E décadas mais tarde, Rodrigo Naves completa a leitura do crítico modernista, ao dizer que toda a forma artística corresponde a uma forma social. Os desenhos do pintor lituano evidenciam esses vazios, onde as figuras são deslocadas para os cantos, indicando uma força oculta que empurra tudo para as bordas. E é exatamente nesse ponto que incide a leitura de Naves, ao vincular a forma artística com a social: as forças ocultas que arrastam as coisas são como a dinâmica do capitalismo, que deixa os frágeis e desvalidos de lado. Nesse aspecto, a pintura de Segall é social sem retórica.

Paulo recorda que o tema é semelhante ao de Portinari, mas a construção da forma é  completamente diferente. Segall vem de uma formação humanista da Bauhaus, em que a pintura propõe uma sociabilidade democrática. Se colocar lado a lado a obra O navio de Emigrantes com uma pintura da série Retirantes, de Portinari, ficará explícito a diferença da forma plástica entre ambas. Nas telas do pintor paulista há uma retórica exacerbada do social. Assim, Paulo aponta: basta lembrar as lágrimas enormes das mulheres de Portinari! A cor esmaecida, a união de pessoas sem rumo e à deriva expressam um choro. Ou seja, a pintura é próprio choro! O navio manifesta a condição de exílio, de alguém que sai e não vai a lugar nenhum. Por fim, Paulo Pasta evoca a fase de Campos de Jordão, uma cidade distante, fria e alta. Um local privilegiado para o recolhimento. Os bois e vacas pintados por Segall também lhe chamam atenção: como e por que alguém de tradição humanista começa a pintar esses animais? Paulo faz uma associação entre a passividade das vacas de Segall com o livro A vida dos animais, de J. M. Coetzee. Nessa obra, o escritor sul-africano estabelece uma perversa relação entre homens e animais, através de uma polêmica analogia entre o gado bovino e os campos de concentração nazistas. Essa convergência de leituras revela o humanismo de Segall, que pôde perceber a dor e a passividade nas vacas e bois que pintou.

 



[i] É importante mencionar que a ideia do museu como um laboratório experimental já vinha sendo discutida desde os anos de 1960. Walter Zanini, por exemplo, (diretor do Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo de 1963 a 1978) no texto Problemas Museológicos, de 1964, relata o encontro com diversos intelectuais na ocasião do ICOM – Conselho Internacional de Museus. Zanini manifesta interesse pelas ideias de Jean Cassou, o então diretor do Museu de Arte Moderna de Paris, citando algumas reflexões do francês: “O objetivo desse museu sendo o de conservar e classificar (característica do museu de um modo geral), é o de, sobretudo, ser um “laboratório experimental”, de atividade presidida pelo “espírito de vida”, pelo “estilo de presença e de presente”. In: FREIRE, Cristina. [Org.]. Walter Zanini: Escrituras Críticas. São Paulo: Annablume: MAC USP, 2013.

[ii] Sobre a experiência no Museu da Solidariedade, ver: PEDROSA, Mário. O modelo chileno de socialismo e a frente das artes. In: Política das artes. Textos Escolhidos. ARANTES, Otília [Org.]. São Paulo: EDUSP, 1995 e 40 años. Museo de la Solidaridad por Chile. Fraternidad, Arte y Política. 1971-1973. Santiago: Museo de la Solidaridad Salvador Allende, 2013.