Relato das palestras de Bruno Assami, Martin Grossmann e Fernanda Feitosa
Inovação e sustentabilidade. Este foi o tema do 2º Encontro Baiano de Museus, que reuniu de 17 a 19 de novembro pesquisadores, estudantes e profissionais atuantes em museus. O evento foi realizado pela Secretaria de Estado da Cultura da Bahia, e no dia 19 teve como convidados Bruno Assami (diretor de Assuntos Institucionais do Instituto Tomie Othake), Martin Grossmann (curador-coordenador do Fórum Permanente) e Fernanda Feitosa (diretora da Feira Internacional de Arte de São Paulo (SP-Arte).
Muito embora os três convidados tenham compartilhado suas reflexões e experiências apresentando perspectivas inovadoras para se pensar o campo museal, a maneira como o encontro se configurou se deu de forma tradicional. A programação foi composta de palestras unidirecionais, com uma intervenção mínima, ou nula, do público. O debate entre os próprios convidados também não ocorreu, assim, a oportunidade de se estabelecer relações mais pontuais entre os temas apresentados e de ampliar a densidade das discussões não foi bem aproveitada.
Na sequência, o leitor confere uma síntese do terceiro e último dia de evento. O presente texto tem como fio condutor o que se revelou especialmente inovador na fala e na visão de cada palestrante. No caso de Bruno Assami, destaco a proposta de pensar a gestão do museu levando em conta o seu entorno e suas relações com esferas como a do turismo, esporte e ecologia. Já na palestra de Martin Grossmann, a inovação está no desenvolvimento de uma plataforma – o Fórum Permanente de Museus – que atua como um museu laboratório ao fomentar debates, ao mesmo tempo em que armazena e democratiza o registro de diversos eventos das artes visuais. A apresentação da Feira SP-Arte, por parte de sua idealizadora Fernanda Feitosa, também é algo bastante singular, já que antes de 2005 não se tinha no Brasil a possibilidade de negociar obras de arte em uma Feira Internacional. Abaixo mais detalhes sobre cada palestra.
“O gestor precisa considerar que o museu está inserido em um contexto”
Bruno Assami é gestor cultural, graduado em Relações Públicas e diretor de Assuntos Institucionais do Instituto Tomie Othake. Ele inicia sua fala com um enunciado do pesquisador, professor da Universidade de São Paulo (USP) e atualmente curador do Museu de Arte de São Paulo (MASP), Teixeira Coelho: “Em lugar nenhum do mundo a cultura é autossustentável. Salvo em áreas como a música popular, ou em alguns setores do cinema e do teatro. Os museus, nosso campo de atuação, jamais deixarão de depender do Estado”. Assami destaca então a importância de se conquistar espaços de diálogos permanentes com o Estado e dá como exemplo o próprio Encontro Baiano de Museus. Ao mesmo tempo, ele entende que o gestor de museus deva ser um grande articulador, que trabalha no campo público e privado.
Assami chama atenção para a importância de se pensar o museu como algo que está inserido em um contexto macro – cultural, social e econômico. “Essa é uma perspectiva nova, importante de a gente perceber como gestor. O museu não tem um papel somente para si mesmo, isolado de seu entorno. O elenco de esferas integradas à cultura é infindável: a educação, a política, o esporte, a ecologia, o turismo... O campo de gestão dos museus faz parte de um conjunto maior, no qual ele deve atuar”, diz.
Para aumentar essa articulação com outros setores, estudos do impacto econômico dos museus são fundamentais. Um exemplo são os dados trazidos por ele com relação ao turismo cultural, que engloba desde sítios arqueológicos até equipamentos culturais: na Europa, em 2010, está projetada a capacidade de atendimento de 476 milhões de turistas culturais; nos Estados Unidos, em 2000, 42 milhões de turistas visitaram museus, e um turista cultural gastou em média US$ 557 na sua expedição de viagem. “Por isso, é importante olhar para esses números e refletir sobre a potência de nosso setor como gerador e influenciador de políticas públicas”, conclui Assami.
Fórum permanente: um museu laboratório
Martin Grossmann é formado em Artes Visuais pela Fundação Armando Álvares Penteado (FAAP) e professor titular da USP. Em sua palestra, parte do mesmo pressuposto de Bruno Assami – de que o museu existe em um contexto, com o qual deve dialogar – para apresentar a plataforma virtual Fórum Permanente: museus de arte entre o público e o privado, em atividade desde 2003.
O Fórum Permanente surgiu no momento em que o MASP, o MAC e os museus em geral passavam por crises, e se fazia necessária a criação de instâncias de debate. A plataforma configura-se como uma interface de discussão presencial, por meio de transmissão online, e também como um arquivo, disponível em fonte aberta, com licença creative commons.
Grossmann entende o Fórum como um museu laboratório, no qual cultura e arte se encontram. A inspiração para a sua criação vem da década de 60 e 70, quando alguns museus se tornam um espaço de experimentação para o artista, e assim uma interface, um ponto de encontro. Outra referência é o trabalho do ex-ministro da Cultura da França, intelectual e poeta, André Malraux – que no pós-guerra, com uma nova tecnologia que era a fotografia, repensa o museu. Malraux cria um museu imaginário, sem paredes, que se concretiza como um livro de artes. “A partir desse tipo de pensamento, eu não mais preciso ir ao Louvre para conhecer as obras. Através de uma publicação, com farta documentação fotográfica, eu conheço elementos ou dados de uma escultura que talvez um visitante do museu não perceba. Se a gente for pensar na internet, ela leva adiante esse tipo de pensamento. Por isso o Fórum trabalha com a tecnologia, por ela atualizar a maneira como a gente conhece o mundo”, explica.
No dia 19 de novembro, 250 pessoas estiveram presentes no Palácio Rio Branco para acompanhar o 2º Encontro Baiano de Museus. Pela internet, mais 250 pessoas assistiram à transmissão ao vivo do evento via Fórum Permanente e tantas outras poderão acessar os arquivos de vídeo e relatos críticos publicados posteriormente no site. A plataforma assim se configura não apenas como uma solução inovadora, mas principalmente como uma ferramenta democratizadora do conhecimento.
SP-Arte: o Brasil no circuito das feiras internacionais
Fernanda Feitosa é empresária, colecionadora de arte, advogada e idealizadora da Feira Internacional SP-Arte – que em 2011 estará na 7ª edição. Em sua palestra, Fernanda conta um pouco da história do evento, dizendo que “não inventou nada”, já que existem mais de 40 feiras internacionais no mundo. Mas ela certamente inovou, ao colocar de forma mais contundente São Paulo e o Brasil no mercado internacional das artes visuais.
A empresária explica que o principal papel da SP-Arte é aproximar a produção artística dos consumidores, eliminando barreiras de locomoção, além de concentrar em um só lugar artistas, apreciadores de arte, compradores, jornalistas, críticos, curadores e diretores de museus. E chama atenção ainda que para existir uma feira de arte é importante que haja intermediação profissional. “O Brasil tem galerias que trabalham com arte de forma profissional, representando o artista, lançando-o no mercado, publicando livros etc. Uma dúzia de galerias brasileiras costuma viajar por feiras internacionais mostrando artistas brasileiros e esse tipo de trabalho é fundamental para que possa haver uma feira de arte”.
Fernanda frisa que em se tratando de um evento comercial, o sucesso de vendas é fundamental para que ele possa continuar existindo. Em 2010, estima-se que em 5 dias de feira, R$ 30 milhões foram negociados. “Trabalhamos na vertente do mercado, mas ao mesmo tempo, somos um grande museu temporário, com mais de 2 mil obras expostas. Das 16 mil pessoas que visitaram a feira, apenas mil compraram algo. Muitos vão só para olhar, levam as crianças, já que a proximidade com as obras é maior. É diferente do museu, em que se exige do público uma postura mais respeitosa com o que está sendo mostrado”, diz.
Embora a feira tenha esse caráter assumidamente mercadológico, em sua fala Fernanda procura ressaltar que há também espaço para lançamento de livros e debates. Mas logo em seguida, ela diz que os debates não são muito complexos ou aprofundados. Então me pergunto, para que programar debates? Um debate naturalmente não é algo que busca aprofundamento? Outro aspecto que poderia merecer mais atenção são as ações educativas voltadas para a comunidade. Fernanda conta que 250 pessoas puderam entrar de graça na feira todos os dias. No entanto, distribuir esses ingressos tendo como critério apenas a ordem de chegada do público não colabora para aumentar a acessibilidade da população aos equipamentos culturais. Os ingressos são distribuídos, mas o potencial da ação não é efetivamente aproveitado.
* Saiba mais sobre o 2º Encontro Baiano de Museus assistindo ao registro em vídeo das palestras.