Diversidade monológica
No texto de abertura do Segundo Encontro Baiano de Museus, Daniel Rangel, diretor da DIMUS/IPAC (Diretoria de Museus do Instituto do Patrimônio Artístico e Cultural da Bahia), explica que "o tema e o foco das palestras deste ano surgiram a partir das necessidades levantadas pelos participantes do primeiro Encontro Baiano de Museus, realizado em 2009, e nas reuniões do Grupo de Trabalho Voluntário do Sistema de Museus, que foi criado neste evento", o que pode nos ajudar a compreender, pelo menos em parte, a grande diversidade de tipos de museus e centros culturais apresentados por seus respectivos diretores na parte da tarde do segundo dia do encontro. Entretanto, a questão de estabelecer interlocução entre diferentes instituições ligadas pela prática museológica – o que parecia ser o intento da sessão – acabou ficando prejudicada pela impossibilidade de diálogo entre as diferentes apresentações e o público do evento.
A primeira palestrante foi Daniela Bousso, diretora da Organização Social que gerencia o Museu da Imagem e do Som (MIS), e diretora executiva do Paço das Artes, ambos localizados em São Paulo. Daniela concentrou-se em expor aspectos da gestão do MIS, iniciando sua fala com um comentário sobre as mudanças trazidas para estas instituições pela arte contemporânea e avança falando sobre o projeto de "reposicionamento" do museu e sua realização após uma profunda crise nos anos 1990: o estudo do acervo, a escolha do foco, detalhes sobre a reforma e curiosidades arquitetônicas. Além disso, comentou a gestão, que conta com duas frentes de conselho: "um financeiro e outro com uma pegada mais conceitual", caracterizando assim "uma ampla participação da sociedade civil".
O encontro seguiu com apresentações mais curtas sobre "Museus Baianos". O primeiro deles foi o "Museu do Sertão Antonio Coelho", cuja responsável é Marisa Muniz, que abriu sua fala com a "Oração ao Museu". Marisa contou não ter encontrado na biblioteca municipal de Remanso informações a respeito da cidade antiga, que havia sido submersa pela construção da barragem de Sobradinho, e assim, resolveu montar o museu com peças que colecionava. Sem ajuda alguma de órgãos públicos, teve a sorte de receber uma doação de 15 mil reais de um antigo morador da cidade, que passou também a enviar 500 reais mensais como contribuição para a compra do imóvel onde hoje fica o Museu do Sertão, que recebe visitantes de escolas na pequena cidade para conhecerem o acervo de mobiliário e diversos outros itens domésticos - alguns bem específicos da região, além da réplica de uma casa de pau-a-pique nos fundos do museu.
A apresentação seguinte foi a de Jorge Teixeira, diretor do Museu de Ciência e Tecnologia da Bahia, que narrou o abandono deste museu na década de 1980, momento em que havia até criações de minhocas e escargots dentro da instituição, quando o museu perdeu partes de seu terreno por conta de ocupações, além de grande parte de seu acervo.
Após algumas reformas, o museu voltou a funcionar e a receber visitantes para conhecer um acervo advindo de "muitas doações: da Universidade Federal, de coleções particulares, de equipamentos do consulado dos Estados Unidos que até então eram de ponta (...)." Jorge comentou que "todo mundo aqui sabe que reforma no Estado é uma coisa um pouco complicada" e que o museu ainda tem uma série de problemas a resolver, incluindo seu acervo de fotos, que estão em péssimo estado.
Na apresentação de Mercedes Rosa, diretora do Museu Carlos Costa Pinto, no Corredor da Vitória, em Salvador, soubemos que possui um extenso acervo de prataria, além de cristais Baccarat, joias de escravas, mobílias e objetos de arte da família Costa Pinto. O museu se mantém através da Lei Rouanet e, de acordo com Marisa, "sua principal forma de sustentabilidade é o governo", além do aluguel de salas para eventos, como o evento de "Segurança Patrimonial com convidados de São Paulo e apoio da DIMUS". É cobrada a entrada de cinco reais, exceto para estudantes e idosos, mas "não cobramos de pessoas que vemos que não têm condição, como uma babá com uma criança, por exemplo, sempre convidamos para entrar".
Maria Luzineide Medeiros Soares, diretora do Centro Cultural Banco do Brasil do Distrito Federal fechou as falas do dia com sua apresentação, explicando que, diferentemente das outras instituições sobre as quais se falou durante a tarde, o CCBB não é um museu por não constituir acervo. Mais em sintonia com as discussões e discursos considerados contemporâneos, Luzineide falou sobre a diversidade deste encontro, que era, para ela, "a cara do Brasil".
Após contar sobre como foram criados os CCBBs e como funcionam as democráticas seleções de projetos com envio de edital via internet, feita por equipe de experts, Luzineide respondeu a primeira pergunta, vinda de Martin Grossmann. Ele questionou a respeito da terceirização de monitores e ela respondeu que provavelmente tal comentário tenha sido um equívoco da monitora porque apenas os responsáveis pela manutenção do edifício é que são terceirizados. À segunda pergunta, feita pela platéia - sobre como são escolhidos os locais onde vão se instalar os CCBBs -, Luzineide respondeu que o objetivo principal do Banco Brasil, um empresa financeira, é o lucro e não a cultura.
A impressão de que o encontro tentou promover a discussão entre instituições tão diferentes, sem conseguir assegurar um espaço para troca, pareceu evidente em falas tão diversas que não apresentavam condições de dialogar diretamente umas com as outras. O encontro de museus serviu mais como espaço de reconhecimento mútuo do que como lugar da necessária discussão sobre uma pauta comum.
Um museu que necessita de 15 mil reais para a compra do imóvel onde se localiza, pouco consegue se relacionar com um museu cujo objetivo é virar “referência nacional e internacional”, como é o caso do MIS, de acordo com Daniela Bousso. Um museu de tecnologia também pouco consegue dialogar com um museu de acervo pessoal e aristocrático e, menos ainda, um centro cultural público-privado nas proporções do CCBB, caracterizando uma disparidade e desigualdade que, de fato, são “a cara do Brasil”.
Por outro lado, havia uma questão subjacente, comum e que permaneceu intocada por todas as apresentações: o que e por que preservar? Quais memórias desejamos guardar, que tipo de pensamento desejamos proliferar com nossos educativos? Nenhuma das instituições parecia interessada na importante pergunta que poderia dar boas pistas a respeito dos objetivos de cada uma – talvez não tão diferentes assim – e talvez não tão distantes da cultura como meio de obtenção e aproximação dos mais diferentes privilégios.
Algumas questões fundamentais para os museus hoje, como por exemplo a dúvida sobre como combinar as atuais gestões mercadológicas pós Lei Rouanet com as necessidades de se construir uma produção junto ao público, ou como unir o desejo de impressionantes números de visitação ao desejo de mostrar a arte como lugar de dissenso e discussão também permaneceram intocadas. Por outro lado, não faltou espaço para o desejo de exibir dados a respeito da infraestrutura e instalações inserindo motes que enfeitassem as palestras com o discurso cuja ênfase pendia para o tamanho e capacidade das instalações e quantidade de visitantes, artifício indispensável para a promoção dos museus e da cultura do século XXI.
Sites das instituições citadas
MIS - Museu da Imagem e do Som
http://www.mis-sp.org.br/
Paço das Artes
http://www.pacodasartes.org.br/
Museu de Ciência e Tecnologia
http://www.museu.uneb.br/
Museu Carlos Costa Pinto
http://museucostapinto.blogspot.com/
Museu do Sertão Antonio Coelho
http://museudosertaoderemanso.blogspot.com/
Centro Cultural Banco do Brasil - Distrito Federal
http://www.bb.com.br/portalbb/home22,128,10170,0,0,1,1.bb?&codigoMenu=9906