Palestra Prof. Eduardo Marques: "Transformações sócio-econômicas recentes em São Paulo"
Muito se tem falado sobre a questão das periferias das grandes cidades. Este tema tem despertado o interesse de governantes, ONGS e da população nos mais diversos países. Mas o que são e como se constituem as periferias? Como é a periferia de uma metrópole como São Paulo?
A palestra do professor Eduardo Marques nos deu um parecer bastante claro sobre as questões formuladas acima. Os itens abordados focalizaram assuntos como às transformações econômicas sofridas pelo país e por São Paulo, a pobreza e a desigualdade na metrópole e os problemas ligados às transformações espaciais e a segregação resultante deste processo.
Calcado em vários gráficos, a apresentação destacou ainda o problema da diminuição dos empregos formais, ocorrido em meados da década de 90, o aumento do desemprego, a queda nos salário e a transformação de São Paulo em uma “Cidade Global”, ou seja, uma metrópole caracterizada pela mistura entre novos negócios, ligados as áreas tecnológicas, e a continuidade no exercício de seu papel como cidade economicamente mais importante do país e da América do Sul.
ESTRUTURA SOCIAL, POBREZA E DESIGUALDADE
Na segunda parte da palestra, foram abordados aspectos da reestruturação econômica sofrida pela metrópole durante a década de 1990.
Embora a estrutura social mudasse pouco durante o período, os resultados sugerem uma mudança para pior em quase todos os grupos sociais. Apesar disto, não houve uma polarização na cidade. O dado positivo ficou por conta do aumento da qualificação dos profissionais atuantes no mercado e da queda da porcentagem da população que vivia nos níveis de pobreza (famílias que vivem com até US$ 70,00 dólares por mês) e de extrema pobreza (as que vivem com até US$ 35,00 por mês). De fato, no que se refere à pobreza, desde o final dos anos 1980 tem acontecido uma melhora no panorama do país como um todo, com especial ênfase nos períodos de 1994/95 e 2003/06.
O recente declínio da pobreza esta concentrado entre as camadas mais pobres da população. A conjugação de elementos como os diversos programas sociais e de distribuição de renda começam a mostrar seus resultados. A melhora também pode ser creditada, em parte, ao aquecimento do mercado de trabalho, com a criação de mais vagas formais de emprego.
Entretanto, devemos notar que existem diferenças marcantes entre as mudanças ocorridas na área rural e na área da metrópole. Enquanto as áreas rurais tem tido uma continua melhoria, as áreas metropolitanas tem experimentado uma constante degradação de suas condições de vida a partir da segunda parte da década de 90, fato causado principalmente pelos efeitos da reestruturação econômica.
De 1990 em diante, houve um aumento da pobreza nas áreas metropolitanas e principalmente na cidade de São Paulo. As causas desta mudança podem ser encontradas na abertura da economia, onde os centros mais dinâmicos são os que sofrem os maiores impactos.
TRANSFORMAÇÕES ESPACIAIS E SEGREGAÇÃO
Para que possamos entender a questão da segregação espacial, é necessário termos claro a idéia do que seja um Centro expandido. Podemos compreender por centro expandido uma larga região habitada por grupos com maior renda e acesso aos serviços públicos. Em contraposição, nas “bordas” das cidades temos as periferias, que vem crescendo desde a década de 60 e na maioria dos casos não contam com serviços públicos, além de abrigarem a população de menor poder aquisitivo e escolaridade.
Outro fato a ser notado é que as periferias não são homogêneas. Algumas áreas que geograficamente poderiam ser consideradas, por sua distancia, como áreas periféricas, não o são, pois concentram serviços, alta renda per capita, etc. Neste sentido, devemos observar um novo crescimento do chamado centro expandido, a degeneração do chamado “centro velho, bem como atentar para os processos de mudança sofridos pelas periferias, processos estes acentuados a partir das décadas de 70 e 80, e que contribuíram para a heterogeneidade dessas áreas.
A parte Sudeste da metrópole é um exemplo marcante das mudanças sofridas nas últimas décadas. Esta parte vem sendo “redesenhada” como um importante pólo para a chamada “Nova economia”, associada a economia global e a tecnologia. Partindo da iniciativa privada, as obras necessárias para a remodelação da área passaram depois a contar com dinheiro do setor público, sem contudo considerar a necessidade dos primeiros moradores que ocuparam a área, antes considerada de baixo valor para o mercado imobiliário. Neste processo, aproximadamente 10 mil famílias já foram removidas da região, e empurradas para a borda das periferias.
AS PERIFERIAS
As periferias de São Paulo – e aqui o termo no plural faz mais sentido, pois destaca a sua heterogeneidade – abrigam mais de 10 milhões de habitantes que se dividem entre favelas, loteamentos ilegais, conjuntos habitacionais de origem pública (COHAB, Cingapuras, etc) e habitações de pequeno ou médio valor imobiliário. Estas áreas, até 1980, recebiam com freqüência migrantes vindos principalmente do nordeste. Esta tendência diminuiu recentemente, excetuando-se as áreas periféricas situadas nas bordas extremas da metrópole.
É importante notar que várias mudanças ocorreram nas periferias da cidade. Dentre elas, podemos citar a queda na taxa de natalidade, melhoria no acesso aos serviços públicos e melhora dos indicadores sociais. Os mesmos indicadores podem ser observados também nas favelas de São Paulo. Cabe ressaltar que em algumas áreas, entretanto, a situação piorou, com aumento da densidade populacional e consequentemente dos problemas ambientais.
Todas estas transformações estão em processo desde o final da década de 80, sendo impulsionadas por fatores como a estabilidade política vivida pelo país, a contribuição dos movimentos sociais e os novos papéis vividos pelas mulheres na sociedade brasileira.
COMENTÁRIOS FINAIS
Por ter sido bastante técnica, a palestra em alguns momentos pode ter sido um pouco cansativa para aqueles que não estão habituados a gráficos ou dados técnicos. Penso que o melhor momento do encontro ocorreu no final, quando o professor Eduardo respondeu livremente as perguntas e se preocupou menos com dados e tabelas.
O ponto alto ficou por conta da derrubada de vários mitos que acompanham o imaginário de muitas – talvez da maioria – das pessoas. Ao apontar as diferenças entre a mortalidade por assassinatos no Rio de Janeiro e em São Paulo, por exemplo, Eduardo Marques explicitou um dado interessantíssimo: a maioria das mortes neste segmento em São Paulo não esta ligada ao tráfico de drogas. Ao contrario do Rio de Janeiro, onde o trafico é o principal responsável por este tipo de mortalidade, aqui, em quase 70% dos casos, os assassinatos ocorrem nos finais de semana e entre vizinhos por motivos considerados fúteis, demonstrando uma inequívoca relação entre falta de lazer e alto consumo de álcool. O resultado explosivo desta mistura são as brigas, muitas vezes seguida de morte. Os envolvidos geralmente não são marginais.
O tráfico de drogas em São Paulo esta comumente ligado as chamadas “chacinas”, onde uma quantidade elevada de vítimas, geralmente mais de três indivíduos quase sempre jovens, são mortos. As chacinas costumam receber grande destaque da mídia, ofuscando dados como os apresentados anteriormente.
Outro fato interessante: ao contrário do que aparenta, o centro de São Paulo apresenta boa dose de segurança. A prova disto é que são raros os assassinatos nesta área. Quando ocorrem, costumam ocupar as páginas mais importantes dos jornais, dado a raridade do tema.
Por motivos ligados a geografia dos terrenos, a polícia tem maior possibilidade de entrar nas favelas de São Paulo, o que facilita, quando se quer, o policiamento. Ao contrário do Rio, que tem a maioria de suas favelas localizadas em encostas de morros, o que em alguns casos as transforma em verdadeiras fortalezas, São Paulo, por ser uma cidade mais plana, leva vantagem em relação ao policiamento. Devemos lembrar que mesmo em relação a geografia as exceções existem, é claro, e muitas favelas apresentam semelhanças estruturais com as favelas cariocas.
Creio que a palestra foi bastante útil, e serviu principalmente para deixar claro que existe não uma, e sim várias, periferias. Foi oportuno também ver como as mudanças sócio econômicas ocorridas principalmente nas décadas de 80 e 90 contribuíram para as modificações destas áreas, algumas vezes “remodelando-as” (leia-se: empurrando os moradores originais para longe do centro expandido devido à especulação imobiliária) criando novas áreas periféricas ou inchando as já existentes. Ficou claro que a maneira de lidar com os problemas de cada uma destas periferias esta no estudo individual de cada caso, a fim de que se possa encontrar a solução mais adequada para seus problemas.
Pensando-se na relação da fala do professor Eduardo Marques com a nossa disciplina, cujo foco é a discussão da arte e dos espaços públicos (com todas as variantes que esta discussão possa acarretar), e na qual a arte passa a ser pensada também sob um foco social, refletir sobre as diversidades existentes nos ajuda a formular melhor algumas estratégias de trabalho relacionadas às especificidades de uma metrópole tão heterogênea como São Paulo. A palestra foi, portanto, uma contribuição valiosa para as reflexões que a disciplina propõe.