Arte Contemporânea e o Museu na Era Global
Hans Belting
1. Introdução
Durante muito tempo, os museus de arte pareciam ter nascido com uma identidade segura, guardada pela sua designação de exibir arte e até de provê-la com o ritual necessário de visibilidade. No entanto, agora, à medida que entramos na era global, parecem enfrentar um novo desafio. Resta saber se o museu de arte, enquanto instituição, com uma história de pelo menos duzentos anos no ocidente, está preparado para a era da globalização. Não existe uma noção comum da arte que necessariamente possa ser aplicada a todas sociedades no mundo inteiro. A Arte Contemporânea, sobre a qual me concentrarei a seguir, levanta questões novas e difíceis. Por um lado, a produção de arte enquanto prática contemporânea está se expandindo no mundo inteiro. Por outro, precisamente, esta recente explosão parece ameaçar a sobrevivência de qualquer noção segura de arte, se é que ainda existe alguma, mesmo no ocidente. Os novos museus de arte vem se estabelecendo em muitas partes do mundo, porém, será que a instituição sobreviverá a esta expansão? A presença de Arte Contemporânea não ocidental em bienais e coleções privadas não é uma indicação clara se sua institucionalização é permanente e coleções públicas seguirão ou se, contrariamente, a nova produção de arte irá minar o perfil do museu. Em outras partes do mundo, faltam aos museus de arte história ou estão sofrendo devido à história da colonização. Resumindo, analisarei o Museu à luz de um ramo da Arte Contemporânea que chamo de arte global.
Deixe-me, no entanto, mencionar rapidamente a ocasião para a qual preparei a princípio este trabalho. Em 2006, os Museus do Vaticano, em Roma, organizaram uma conferência por ocasião de seu aniversário de 500 anos chamada: “A idéia do Museu: identidade, papéis e perspectivas.” Tal momento me ofereceu a oportunidade de tratar da questão do porquê a Igreja Católica, uma instituição religiosa viva, manter museus de arte em primeiro lugar. A resposta pode ser rapidamente extraída de argumentos históricos. O Vaticano, como um todo, é uma instituição viva e, ao mesmo tempo, um museu que mantém coleções e também serve como um lugar de memória. A questão merece um olhar mais detalhado: os museus do Vaticano não começaram como tesouros da Igreja, muito pelo contrário, como uma coleção de estátuas antigas, o que pode parecer uma escolha surpreendente para a Igreja. As esculturas de deuses antigos da coleção não eram mais identificadas como sendo pagãs, e sim, redefinidas e consideradas obras de arte. Daí, o objetivo das coleções ser a construção de uma nova idéia de “arte” que pudesse autorizar, inclusive, a visão de deuses pagãos nus. Foi necessário que os itens colecionados se tornassem primeiro obsoletos para que pudessem adquirir o status de obras de arte, o que, por sua vez, dependia do seu status museológico.
Antes de deixar o Vaticano, consintam-me analisar o fenômeno a partir de outro ângulo. Fora das portas do Museu, a Igreja favorecia a veneração viva de imagens santas que nunca adentraram a categoria de obras de arte. Eram vistas com os olhos da fé mas não necessitavam de um gosto artístico. Durante muitos séculos, Roma foi a Meca da Igreja Católica; cada cristão deveria venerar o a Face Sagrada da catedral de São Pedro, o “verdadeiro ícone”(1), pelo menos uma vez na vida. Hoje em dia, a atenção para tais imagens tem perdido muita importância, com exceção de trações globais tais como “Santo Sudário” em Turim. Contudo, a Igreja, aparentemente, redescobriu a necessidade de visualizar sua prática com uma nova ênfase nas imagens. No Ocidente, onde a Reforma e a Contra-Reforma deixaram o processo de modernização com memórias obscuras e até medos, inclusive a arte está sendo reconsiderada uma nova aliada para mobilizar os crentes.
Mas duvido que isto seja uma escolha sábia. De fato, a Igreja está passando atualmente pela pressão da mídia de massas cuja presença visual no cotidiano mudou o mundo. O último Papa serviu-se brilhantemente desta tele-presença ao instrumentalizar seu próprio ícone. No entanto, este processo é irreversível. Filmes já provaram ser forças muito fortes em projetos missionários globais, principalmente nas mãos dos Estados Unidos. Marshall McLuhan, o profeta da era da Mídia, era um católico fervoroso que sonhava com o fim da Galáxia de Gutenberg, compreendida como uma herança da Reforma, e proclamava o surgimento da nova cultura da mídia no espírito de uma partida ecumênica visual e completa.(2) A arte não fazia parte de sua visão e o museu, para o qual me volto novamente , certamente está do outro lado da rua.
2. Artes Étnicas
Para poder seguir com o meu assunto principal, me permitam fazer uma guinada perigosa e ligar a dicotomia da prática viva e a presença do museu que encontramos na Igreja Católica para o destino nefasto das supostas artes étnicas. Certamente, não quero arriscar mal-entendidos e simplificações exageradas, mas talvez não seja tão pouco plausível lembrar que os artefatos étnicos nunca foram criados como “arte” no sentido ocidental da palavra. Serviam a rituais étnicos, que de muitas formas podem ser considerados de religiões autóctones. É bem sabido que o roubo de tais objetos, que acabaram em coleções ocidentais, junto com o zelo missionário dos colonizadores, erradicou religiões vivas. O museu não se tornou um ameaça à sobrevivência de culturas inteiras, e o mundo da arte se apropriou da cultura material de muitas religiões.
Mesmo em seus países de origem, os artefatos étnicos pareciam bizarros e mal utilizados ao entrarem em museus do tipo colonial. Os públicos locais já não podiam reconhecer as máscaras que haviam perdido sua referência com os corpos vivos, parecendo objetos inúteis em uma coleção na qual os antigos donos tinham perdido o controle do significado protegido dos objetos. O problema, mais do que nada, era o choque com as estratégias de memória do ocidente que resultavam em uma reificação e coisificação enquanto a memória autóctone podia sobreviver apenas através de sua performance viva. A perda de acesso foi compreendida como privação e o museu colonial se transformou em um “cemitério” de objetos mortos, para citar Mamadou Diawara. Em tempos pós-coloniais, contra-estratégias levaram, então, à re-dedicação dos museus aos assim chamados “museus do povo”. O propósito de tais projetos é “retornar o museu ao seu povo,” como Bogumil Jewsiewicki descreve seus dois projetos, no Haiti e no Congo. No entanto, não se pode ter certeza em absoluto que os públicos locais iriam querer o retorno de algo com os qual nunca se preocuparam.
É também no ocidente, onde as artes étnicas foram introduzidas como uma moeda estrangeira de arte, que a questão dos museus se tornou fonte de muita controvérsia já que dois tipos logo se opunham e a questão permaneceu em aberto: se uma bela máscara deveria ou não entrar no museu etnográfico ou no museu de arte.(3) Neste caso, lhe foi negado o seu lugar dentro da arte no sentido da “arte mundial”. Em outro caso, perdeu os seus laços com sua cultura de origem e se tornou indiferente a qualquer significado local. Após um longo debate caloroso, o destino das assim chamadas “Arts Premiers”(Artes Primeiras), um novo rótulo para “arte primitiva,” foi criado com a fundação do Musée du Quai Branly; um nome, suspeitosamente, neutro. Este abrigou coleções que antes estavam no Musée des Colonies e também algumas do Musée de l’Homme.(4) O novo Museu é um museu de arte levemente disfarçado, já que esconde a antiga divisão entre seus dois tipos. Após sua abertura, a topografia da memória foi claramente distribuída por diversas instituições em Paris. O novo museu reúne o patrimônio da África e da Oceania, e o Musée Guimet apresenta as artes da Ásia. O Louvre possui estas antiguidades, inclusive egípcias, que os franceses consideram parte de seu próprio patrimônio, mas o novo departamento islâmico abre uma janela para um mundo maior.
Este lugar do novo Museu no mapa colonial, um mapa no cérebro, é confirmado por uma ausência que ninguém parece notar. Estou falando da ausência da Arte Contemporânea destas partes do mundo onde os artefatos dos tempos coloniais e pré-coloniais foram produzidos. Esta ausência advém de muitas razões, a maior delas causada pela resistência da Arte Contemporânea indígena classificada de étnica. Entretanto, isto cria uma defasagem que revela um problema global no cenário artístico. Onde é que estão os artistas não-ocidentais que recentemente foram “incluídos” no mercado das artes? Eu arriscaria argumentar que a Arte Contemporânea, em um contexto global, invade o lugar da antiga produção étnica. Tal argumento precisa ser protegido contra muitos possíveis mal-entendidos. Não estou dizendo que a produção étnica simplesmente continua no que atualmente consideramos arte, ao invés disto, ocorre uma defasagem ainda maior entre estas tradições autóctones que são exauridas e interrompidas, e, por outro lado, outra coisa que ainda precisa de definição e, ainda não entrou nos museus: a arte contemporânea não ocidental.
3. Arte Contemporânea
Porque seleciono um fenômeno que ainda não é uma preocupação grave para a maioria dos Museus de arte hoje? E como é que a atual Arte Contemporânea difere da Arte Contemporânea de vinte anos atrás? Testemunhamos muitas redefinições na produção artística nas últimas cinco décadas. Houve a grande rebelião nos anos 60, que alguns consideram o surgimento de uma segunda modernidade. A arte de exposições clássicas, montadas no “White Cube” (galeria de arte inglesa),(5) foi desvalorizada, e a performance se tornou uma das maiores atividades artísticas mundiais. Em um próximo passo , vimos a introdução de novos meios tais como instalações de vídeo e assim por diante. Porém, tais tendências se deram normalmente no mundo da arte ocidental enquanto agora novos artistas do que antes era chamado de “terceiro mundo” estão liderando o curso dos acontecimentos. Pelo menos, nada de importância similar em termos de impacto sobre o Mercado está tão presente no ocidente. Basta ver o exemplo da invasão chinesa e sua calorosa aclamação por parte dos colecionadores ocidentais.
Para poder analisar o significado deste fenômeno, deixe-me organizar um mapa de idéias e termos com os quais este se relaciona freqüentemente de forma contraditória. Temos a história ambivalente do modernismo que hoje em dia encontra resistência ou oposição clara. Artistas, na maior parte das vezes, lutam para recuperar as reivindicações hegemônicas deste patrimônio ocidental, sendo que este acaba sendo um fardo não muito bem-vindo para aqueles que chegaram depois e não conseguiram encontrar o seu lugar na história do modernismo. Alguns buscam escapar deste patrimônio ou buscar genealogias alternativas que ofereçam possíveis definições. O Modernismo constantemente funcionou como uma barreira protegendo a arte ocidental da contaminação da arte étnica ou popular, e marginalizou a produção local considerando-a não profissional. Como resposta a isto, a arte não ocidental por vezes agiu com uma antítese à reivindicação de universalismo inerente ao modernismo.
A idéia do Modernismo alegava possuir uma autoridade universal e assim, de fato, exercia o poder colonial. A arte modernista pode ser descrita melhor como uma arte de vanguarda que reflete a idéia de progresso linear, conquista, e novidade, testemunhando assim contra sua própria cultura considerada uma cultura morta e de passado que não é bem-vinda. Vanguarda, que, como deveríamos notar, era originalmente um termo militar, possibilitou medir o progresso e a inovação dentro do contexto artístico. Por isto a história da arte se tornou necessária, que, por sua vez, precisava dos museus de arte para exibir materiais e resultados da história da arte.(6) O método e a instituição emergiram simultaneamente e eram ambos modernos do ponto de vista de sua origem e de sua intenção. Daí não ser possível simplesmente transferi-los para outras culturas sem perda de significado. A história da arte e a etnologia eram dois lados da mesma moeda. Cobriam um mundo claramente dividido como definido pela “Pale of History ” de Hegel o que significava que a história existia apenas no ocidente.(7) Visto por este prisma, os museus não ocidentais pareciam cópias inadequadas de seus modelos ocidentais.
Deixe-me introduzir agora a Arte Contemporânea, um termo que ainda causa muita confusão já que é, tradicionalmente, identificado com a produção mais recente de arte moderna, pelo menos no Ocidente onde esta distinção cronológica ou de vanguarda resistiu até mesmo às noções pós-modernas e permaneceu válida até muito recentemente. Mas para além do ocidente, o termo “Arte Contemporânea” possui um significado muito diferente que lentamente está se infiltrando no mundo da arte ocidental. Lá, é considerado uma libertação do patrimônio modernista e é identificado com as correntes locais de arte de origem recente. Desta forma, oferece uma rebelião contra tanto a história da arte, com o seu significado ocidentalizado, quanto contra tradições étnicas, que parecem prisões para a cultura local em um mundo global. Existem razões por trás desta resistência dupla que merecem nossa atenção.
Por um lado, não havia história da arte na maioria das partes do mundo; e assim, não poderia ser apropriada como algo “ready-made”. Por outro, as artes étnicas e artesanatos, sendo o filho favorito de professores e colecionadores coloniais, não mais permanecem como uma tradição viva mesmo que sobrevivam como um produto para o turismo global. “A morte da arte primitiva autêntica”, para citar o título do livro de Shelly Errington, abre um espaço que é invadido pela Arte Contemporânea com o seu duplo sentido: como pós-histórico, com relação ao ocidente, e pós-étnico, com respeito aos seus próprios ambientes. (8) Não afirmo que isto seja uma descrição do que é, mas uma descrição de como artistas se sentem hoje em dia. Parece que a história da arte, para os artistas ocidentais, tem sido percebido como um fardo semelhante ao que a tradição étnica foi para os artistas não ocidentais. Tampouco estou dizendo que a história apenas existe no ocidente e a tradição apenas em outras partes do mundo. Todavia os dois rótulos desempenharam um papel considerável na construção de uma consciência específica. Nos dois casos, surgiu uma nova situação. Por isto faz sentido que a Arte Contemporânea, em muitos casos seja compreendida como um sinônimo de arte global. Globalismo, de fato , é quase uma antítese ao universalismo pelo fato de descentralizar uma visão de mundo unificada e unidirecional e permitir “múltiplas modernidades,” para citar o tema da edição de Daedalus dedicada ao tópico em 2000. Isto também significa que nas artes, a noção de “moderno” se torna uma definição histórica e que perde correspondentemente a autoridade de um modelo universal. Pode inclusive parecer um passado ligado ao ocidente, como outras culturas vêem seus próprios passados locais.
Agora alcançamos um estágio em nossa análise no qual os conceitos do moderno (ou modernismo), contemporâneo, e global se tornam relevantes para os museus, especialmente os que acabaram de ser fundados em partes do mundo que não pertencem ao ocidente que tem que representar tais questões através de sua coleção e para um público local. Estão em uma situação diferente do que as feiras de arte ou bienais, que são organizadas por curadores individuais, se endereçam a colecionadores individuais, e subjazem às leis do mercado, e são eventos efêmeros que podem contradizer qualquer exposição anterior sem ter que explicar a mudança de direção. Os museus, por outro lado, precisam justificar suas coleções e representar idéias que são mais abrangentes do que o mero gosto pessoal; uma vez que, são instituições oficiais, também estão sujeitas às pressões públicas, e precisam depender do apoio de autoridades patrocinadoras. Daí, precisarem oferecer um programa que, neste caso, esclarece a constelação e o significado local do moderno, contemporâneo e global.
4. O mito modernista e o “MoMA”
Ao voltar-nos para a história do modernismo, não podemos deixar de perceber o papel poderoso desempenhado pelos museus em sua expansão. Por isto gostaria de interromper a minha análise do global com uma crônica de eventos que comprova o papel da instituição na história do modernismo. O Museu de Arte Moderna (MoMA) é uma clara escolha desde que criou o cânon da arte modernista há uns setenta anos. Recentemente, descobriu seu próprio passado ao reabrir suas galerias em 2004. O Modernismo já tinha se tornado um mito.(9) “The Modern,” como é chamado em Nova Iorque, “no fez modernos,” para citar um comentário de Arthur C. Danto.(10) Porém temos que fazer uma distinção entre o modernismo de antes da guerra e do pós-guerra: o anterior ficava na Europa ao fazer sua parição no museu americano. O posterior surgiu apenas no EUA. Foi apenas nos anos do pós-guerra que pudemos falar de um “modernismo ocidental” como sendo um espaço comum cujo universalismo, no entanto, também serviu como um disfarce para a nova hegemonia americana. O MoMA tinha pretensões tanto universais como de um Museu americano.(11)
Quando o MoMA re-abriu suas galerias em 2004, o cânon duplo que havia criado surgiu na superfície de suas principais galerias. Um andar foi reservado para o modernismo europeu, enquanto o outro andar, com poucas exceções, apresentava o modernismo americano. Durante o período de reformas, grande parte da coleção foi enviada para Berlim, onde se tornou uma das maiores exposições que já aconteceram na Alemanha. Esta visita apenas confirmou o mito do museu e a sacralização do modernismo como um cânon clássico. Em Nova Iorque, o museu sucumbiu à tentação de contar a história da casa e de expor o seu mito. Os funcionários estavam muito cientes de que estavam, de certa forma, musealizando o seu museu. Então, anunciaram a conferência com o título “Quando foi a arte moderna? Uma questão contemporânea.” Fui convidado para esta conferência cuja retórica de certa forma discordava da realidade do novo programa da casa. A Arte Contemporânea sempre desempenhou um papel crítico na política de aquisição da casa, no entanto, rapidamente, a defasagem que emergia entre o moderno e o contemporâneo já não tinha mais como ser resolvida.
Agora, seguirei outra linha na minha crônica que nos permite permanecer na mesma instituição. Foi em 1955, no auge do Modernismo, que Edward Steichen “criou” uma “exposição fotográfica para o MoMA”, como o título diz. Foi a The Family of Man, que podia então viajar pelo mundo(12). Pela primeira vez, “a arte da fotografia,” para citar o editorial, se tornou tema de uma exposição em um museu e, como tal, invadiu os âmbitos modernistas da pintura e da escultura. A exposição também quebrou outra regra ao aceitar fotógrafos amadores junto com profissionais. O objetivo era oferecer uma visão global do que Steichen chamou de “a unicidade essencial da humanidade”. De fato, esta exposição representou todas culturas e todos tipos de pessoas mas, visto em retrospectiva, prova que, na época, a câmera estava primordialmente em mãos ocidentais. Uma visão ocidental permaneceu dominante na documentação do mundo. E o idealismo pseudo-inocente era tão óbvio até mesmo nas fotos dos EUA, que Robert Frank, no mesmo ano, atacou o projeto com sua campanha de imagens sujas dos “Americanos”, cuja publicação foi originalmente proibida nos EUA.(13)
Hoje, a fotografia está presente nas coleções dos museus. Mas desde o final dos anos 60, o vídeo entrou na cena artística e, como um meio baseado no tempo, desafiou o perfil do museu muito mais do que a fotografia. Equipamentos de vídeo de baixo custo, já tinham se tornado acessíveis, para uso pessoal. Sua distribuição global também foi incentivada pela sua relativamente breve história na arte ocidental, que o tornou atraente como um meio sem o fardo da história da arte. O editorial ‘arte do vídeo’, a renomada antologia editada por Ira Schneider e Beryl Korot em 1976, insiste na capacidade do vídeo de recuperar imagens que há muito tinham sido banidas da produção artística.(14)
Tais imagens de vídeo que mostram os artistas ou seus ambientes locais pareciam abrir um mundo global com uma gama completa de culturas visuais muito diferentes quando comparadas com a tecnologia uniforme. Um ano após a publicação da antologia, em Paris, o Centro Pompidou foi inaugurado: um novo tipo de museu que também reservava um espaço para os “novos meios,” oferecendo uma nova dimensão desesperadamente aguardada da antiga arte moderna. Mas foi só em 1997 que o ZKM, em Karlsruhe, fez do vídeo e dos meios a ele relacionados um elemento proeminente dentro de uma coleção de museu. No contexto atual, fica claro o quanto a evolução da arte global se beneficiou com o vídeo e as novas tecnologias que são globais por natureza e não dependem da genealogia da história da arte ocidental.
5. O declínio do modernismo
Foi novamente no MoMA que William Rubin celebrou o mito modernista pela última vez com duas famosas exposições complementares, que mostraram saudade de uma história perdida. Estou falando da grande exposição de Picasso de 1980, seis anos após a morte do artista, e a exposição de Primitivismo no século XX, que criou uma resistência muito inconsciente, em 1984. A exposição de Primitivismo poderia facilmente ter sido chamada de “Picasso e a Arte Primitiva.”(15) seu objetivo era reconciliar duas tradições da corrente principal da arte moderna e étnica, mas, de fato, mais uma vez confirmou a antiga perspectiva dualista da “arte tribal,” como a tão falada arte primitiva cujas máscaras e fetiches ainda funcionavam como “inspiração” para a arte de vanguarda da mesma forma que cem anos antes, nos primeiros anos de Picasso. Poder-se-ia falar igualmente de apropriação da arte étnica na história da arte moderna, no sentido da relação dos artefatos étnicos e dos artistas modernos, um processo que contribuiu para a transformação da prática religiosa (coletiva) em criação artística (individual).
É praticamente inconcebível que apenas cinco anos separem a exposição de Rubin do projeto que Jean-Hubert Martin realizou em 1989, no Centro Pompidou, com sua exposição Les Magiciens de la Terre.(16) Esta exposição corta os laços com o projeto anterior por apresentar uma produção não-ocidental como sendo contemporânea em vez de arte étnica primitiva e o fez pela primeira vez em uma escala global. Martin não apenas escolheu quinze artistas vivos do assim chamado “terceiro mundo,” mas também os exibiu ao lado de um número equivalente de artistas ocidentais. Com esta justa-posição, ele pretendia interligá-los em um diálogo imaginário ao invés de identificar qualquer um deles como uma “influência” sobre o outro. Martin não utilizou a palavra “arte”, e sim, o termo “mágica” evitando confusão e crítica sobre a mistura de conceitos. Ele, no entanto, desapontou a maior parte dos críticos do ocidente por minar a autonomia da arte moderna, e os do terceiro mundo por não haver promovido seus artistas às primeiras posições do modernismo. Ele explicou sua exposição como, “une enquête sur la création dans le monde d’aujourdhui.”(17) em retrospectiva, temos que dar-lhe crédito por haver criado o primeiro evento em meio à nova presença emergente da arte global contemporânea.
Rasheed Araeen, que participou do evento, objetou depois que a exposição não representava “a heterogeneidade cultural do modernismo do mundo inteiro” e que tenha estabilizado a divisão na qual o self (eu nuclear) representava uma visão moderna e universal” e “os outros” ainda estavam presos “à sua origem étnica.” Dedicou toda sexta edição do Third Text à crítica da exposição. Dois anos antes, em 1987, Araeen tinha fundado este periódico em Londres “com o objetivo de oferecer um foro crítico para as perspectivas terceiro mundistas com respeito às artes plásticas,” como escreve no seu primeiro editorial.(18) A revista deveria representar “uma virada histórica para longe do centro da cultura dominante em direção à sua periferia” e para ver o centro com olhos críticos. Na primeira década de sua existência, Third Text “se dedicava principalmente à revelação das barreiras institucionais do mundo da world art e dos artistas que excluíam, na segunda década houve uma investigação sobre (o novo fenômeno) da assimilação do exótico do Outro do novo mundo da arte,” como nos recorda Sean Cubitt. Um novo tipo de “racismo institutional-artístico” forçou os novatos a “verem seus trabalhos serem assimilados pelo sistema…. Para alguns artistas, a batalha tinha provocado a retirada das arenas internacionais e o retorno ao local…. Outros abandonaram o conceito da arte como um todo” para buscar “modos alternativos de práticas culturais” para poder escapar às forças assimiladoras do mundo artístico.
Por outro lado, o espaço global absorve o privilégio de representar a história incluindo a variante da história da arte no mundo ocidental. Também ameaça minar o sistema do mundo da arte. A nova presença daqueles que antes eram marginalizados ainda não era previsível quando Araeen lançou seu projeto, em 1987. Neste ínterim, a geografia da arte também vinha se transformado rapidamente como indicado pela nova terminologia. O termo do assim chamado terceiro mundo não mais caracterizava a nova geografia da arte. Agora parecia apropriado falar de um “Sul global,” como dizia Beral Madra, fundador da Bienal de Istambul. O “Sul global” emerge como uma nova periferia em relação aos outros centros emergentes com um novo poder econômico, (como a China), que rivaliza com o ocidente em termos de dimensões globais. Neste sentido o mercado de arte global se tornou um espelho distorcido. Sucesso no mercado não necessariamente significa aceitação local nas sociedades cujos problemas são abordados por artistas locais e vice-versa. O mercado da arte e a aceitação pública estão estranhamente divididos. O mercado freqüentemente priva os artistas de sua voz crítica e seu significado político; e seu potencial crítico precisa de clientes fora do “sistema” cujo julgamento não seja neutralizado pela crítica de arte global assimilada.
A aceitação no mundo da arte ainda foi a questão abordada pela exposição de Graz de Peter Weibel, em 1996, chamada Inklusion: Exklusion, que foi um importante passo para a discussão (e promoção?) de uma grande mudança.(19) Mas “inclusão” (de quem e por que razões?) aconteceu apenas na nova cultura global de exposições emergentes enquanto a aceitação nas coleções de museus seria outra questão. A exposição de Graz conseguiu desenhar “um novo mapa da arte na era pós-colonial,” como diz o subtítulo. No entanto, “a migração global,” a segunda parte do subtítulo, permanece uma experiência pessoal. A migração é refletida na imaginação dos artistas e molda a memória individual. Museus, por outro lado, não migram (mesmo que suas coleções viajem), mas precisam educar um novo público ou são eles mesmos moldados pelo público local. Mas, então, como é que os museus se prestam à globalização no sentido estrito da palavra, se é que tal sentido existe?
6. O futuro dos museus de arte
Pode parecer que a “arte” nos termos da modernidade ocidental, em qualquer aplicação, tenha vencido a batalha e até mesmo tenha se tornado uma experiência global, derrotando a produção étnica e nivelando quaisquer diferenças culturais. Neste caso, museus de arte poderiam esperar um futuro global em que se pareceriam em todos os lugares. Mas esta conclusão seria prematura e permaneceria baseada em observações superficiais que escondem desenvolvimentos novos e inesperados. Certamente, assistimos a esta explosão de museus de arte em muitas partes do mundo. Representam a nova geografia de instituições que por vezes tem menos de dez anos de idade. Normalmente, refletem prosperidade econômica e servem à representação (e valor acionário global) do capital local. Daí serem freqüentemente patrocinados por grandes companhias com investimentos globais, em que o aspecto museológico possui apenas um papel secundário dentro de uma fundação dada, uma situação já ridicularizada pela descrição “restaurante com museu.” Em suas declarações de missão, ainda alegam servir como laboratórios culturais ou centros urbanos de cultura, que a cultura teria uma posição privilegiada em uma economia avançada o que, neste caso, também significa conformismo global com o mercado de arte. Mas os museus são por definição locais, e vivem em última instância da expectativa de públicos locais. Isto também envolve a noção de que, atualmente, não se separa uma sociedade da outra, e sim a elite econômica da maioria de qualquer cultura.
Pode ser útil situar as fundações de museus em oposição às novas feiras e bienais de arte, que, após haver inicialmente aparecido em lugares tais como Istambul, neste meio tempo já alcançaram Xangai. A diferença é que tais eventos são efêmeros e refletem uma estratégia de marketing através da qual artistas locais recebem apenas o privilégio de serem mostrados dentro do contexto da arte internacionalmente aceita. Por isto, os curadores responsáveis, na sua maioria estrangeiros, garantem ou pretendem garantir um alto nível de aceitação e atenção para artistas locais. A Bienal de Johannesburgo foi inaugurada em 1995, um ano após as primeiras eleições democráticas. Certamente serviu a altas metas políticas. Mas tais eventos, na maioria das vezes, incentivam a participação no que é identificado como “mundo da arte contemporânea.” Este, no entanto, sempre precisa de novas sensações e logo perde interesse no mundo da arte local, como foi infelizmente o caso de Sarajevo.
Museus, por definição, são instituições locais que não tem como manter o ritmo destas exposições que tanto estão na moda. Mesmo que sirvam de anfitriões para elas, o problema chave é a coleção, o que nos leva a uma escolha difícil, mesmo que excluamos a intervenção de colecionadores privados: ou a coleção do museu é local e logo não tem como atrair o interesse dos visitantes e patrocinadores, ou representa um nível internacional que é economicamente inacessível e afasta os artistas locais. Finalmente, tais instituições públicas dependem em última instância de um público local que não compartilha do gosto pelo mundo da arte. Suas estratégias de representação o ligam à cultura local.
A questão é se, e até que ponto, a Arte Contemporânea pode representar a cultura local, mesmo com objetivos culturais, ou se a arte está simplesmente explicando sua própria existência. Também podemos inverter esta questão. O que é que um público local, em muitas partes do mundo sem familiaridade com a arte, espera ver em um museu de arte? Para citar Colin Richards, podemos nos perguntar: “o que permanece diferenciado e sedutor na arte?” Ele continua sustentando que é a “relação da arte com uma dinâmica social e política mais ampla” e nos recorda que na África do Sul, assim que o movimento da arte conseguiu um maior impulso, começou “um debate contínuo sobre a autonomia da arte em relação ao mundo político e social nos quais estava imersa, e mais ainda, como compreender melhor a relação entre a arte e estes mundos.”(20) Por outro lado, a arte pode ser considerada “um dos poucos espaços que resta para imaginar uma vida menos gerida e administrada.” Por outro as reclamações da arte exigindo maior proteção e autonomia, facilmente, se tornam um obstáculo à sua presença pública, e por isto os museus enfrentam um desafio que afeta diretamente o seu papel tradicional.
Enquanto o resultado da globalização ainda for um espelho em grande parte embaçado, o futuro dos museus de arte permanecerá imprevisível, tanto em relação à sua sobrevivência e sua possível mudança de perfil. Mas podemos imaginar que o museu está predestinado à representação dos “mundos contemporâneos” para usar a formulação de Marc Augé. Augé falou de “uma antropologia para mundos contemporâneos” para poder implementar uma mudança estrutural para a antropologia tradicional. “Os habitantes do mundo se tornaram, finalmente, contemporâneos e, no entanto, a diversidade do mundo é recomposta a cada momento: este é o paradoxo dos nossos dias. Temos que falar, então, de mundos no plural.” A situação da antropologia “remete à coexistência da entidade singular implícita na palavra contemporâneo e a multiplicidade de mundos que qualifica.” Ele vai tão longe a ponto de dizer que “cada sociedade é constituída de vários mundos.”(21)
Aplicado aos casos de museus, fica claro que “o mundo da arte” poderá se tornar mais heterogêneo e cada vez menos definido. Isto não apenas significa que possui uma multiplicidade. O que sim temos que aceitar é que muda de um lugar para outro. Isto é válido inclusive para coleções cujos trabalhos de arte transformam o significado onde quer que sejam expostos: não simplesmente possuem um significado possível ou ainda, um significado universal, mas estão sujeitos à compreensão de um público local. Logo, o mundo da arte poder-se-á tornar eventualmente permeável, uma entidade porosa que se desintegra dentro de um todo maior ou sucumbe a uma diversidade de sistemas. Sua oposição tradicional entre a “arte” e a “produção étnica” é exposta a novas práticas nas quais tais dualismos perdem o significado. Até mesmo no ocidente, a era do museu não é muita mais antiga do que o que podemos chamar de arte moderna e, por isto, não pode ser independente de condições claramente circunscritas a condições históricas e sociais.
7. Arte mundial e arte global
A nova geografia das instituições de arte afeta não apenas o domínio da Arte Contemporânea mas também exerce pressão sobre os maiores museus do ocidente quando com a controvérsia sobre arte mundial que carrega consigo a possibilidade de repatriação de reclamações. Em dezembro de 2002, dezoito museus metropolitanos do ocidente assinaram uma “Declaração sobre a importância e valor universal dos museus”, reutilizando assim a concepção ocidental moderna de universalismo, contudo aplicando-a ao cuidado responsável do patrimônio artístico mundial. A declaração alega servir o planeta e não apenas ao ocidente. Neil MacGregor, em nome do British Museum, falou sobre “um museu do mundo para o mundo.” Perguntou retoricamente: “Onde mais, a não ser nos museus, o mundo poderá enxergar tão claramente que é apenas um?” Mark O’Neill, diretor dos museus de Glasgow, retrucou dizendo que o Museu com uma coleção de arte mundial, para poder agir em nome do mundo, “precisaria estar aberto para as histórias conflitantes de alguns objetos” e “revelar a história imperial além da história do iluminismo das coleções.”(22)
Enquanto esta atividade gira em torno do patrimônio artístico mundial, outras mega-instituições, em sua grande maioria museus de arte moderna, tais como o Guggenheim Museum, em New York ou o Centro Pompidou, em Paris, reagem de forma diferente ao desafio do mundo globalizado ao expandir suas esferas de influência e ao re-estabelecer os ramos neocoloniais da arte modernista em outras partes do mundo. A retórica global mal consegue esconder os aspectos materiais e econômicos por trás destes planos. Recentemente, Hong Kong foi escolhida como local para a criação de um centro de arte gigantesco que irá superar qualquer coisa no ocidente, todavia, dando continuidade às estratégias ocidentais. Parece que um choque entre instituições e conceitos representa uma nova economia global do museu. Ali perto, o Museu Nacional da Arte Ocidental de Tókio foi, originalmente, fundado para identificar o ocidente como uma cultura local e para a distinção do patrimônio ocidental da influência ocidental do patrimônio nativo. Na China continental, o recentemente inaugurado Museu da Arte Mundial de Pequim rivaliza com os planos de Hong Kong ao adotar reivindicações ocidentais para padrões chineses. O museu espelha significativamente e adapta o espírito de uma disciplina de crítica de arte que está surgindo recentemente na China chamada “história da arte mundial” que alega possuir a competência necessária para discutir “a arte mundial” do ponto de vista chinês.
O conceito da arte mundial (world art) merece um olhar mais atento, já que difere da arte global tanto em termos de significado como intenção. A diferença pode parecer um jogo de palavras mas nos permite fazer uma distinção entre a produção de arte global, como uma experiência recente, de uma antiga idéia em que arte mundial é o clímax do “patrimônio da arte mundial.” A Arte Mundial já era um conceito moldado do “Museu sem muros” de André Malreaux que representava uma variante do patrimônio. Os sonhos de Malraux começaram a virar realidade nos anos obscuros da Segunda Guerra Mundial em uma Paris acuada. O famoso livro Le musée imaginaire, publicado pela primeira vez em 1947, introduz a arte mundial como um somatório do que foi criado plasticamente em diferentes culturas e que identifica a “arte” mais além do discurso ocidental.(23) Sua abordagem é totalmente visual e estética sem permitir quaisquer fronteiras de diferenças culturais ou históricas. Ele pretendia superar o dualismo tradicional entre a arte (ocidental) e artefatos (étnicos), que considerou uma atitude colonial fora de época. Ironicamente, seu projeto também expressa um complexo de culpa antigo. O jovem Malraux foi condenado pela administração francesa da Indochina por um crime colonial, em 1924. Foi acusado de roubar esculturas de um templo antigo que pretendia vender no mercado internacional de arte.(24)
Malraux, paradoxalmente, ainda colocava o museu num pedestal, mesmo que sonhasse com um museu ideal e universal. Enquanto isto, o museu, como idéia (seja com ou sem muros), se tornou um problema para a assim chamada arte global, que ainda é um fenômeno recente. Artistas não ocidentais mantêm um preconceito duplo contra o patrimônio artístico, tanto como contra suas próprias tradições étnicas, e contra a história da arte no sentido ocidental do modernismo. Na sua atitude pós-étnica e pós-histórica, questionam duas funções principais do museu ocidental. No ocidente, neste ínterim, os museus aparecem divididos em dois papéis contraditórios que não podem ser reconciliados facilmente. Tradicionalmente, os museus serviram como uma coleção de arte passada que passou por uma canonização dentro das portas do museu: para mencionar apenas a antiga lei francesa que proibia a entrada de artistas no Louvre até dez anos após sua morte. No modernismo, no entanto, os museus se voltaram inesperadamente para um estágio efêmero de “living art”, que freqüentemente é criada para, e até mesmo encomendada por, museus. Apenas estou lhes recordando dos trabalhos chamados de “site-specific” e das instalações. É claro que estas duas visões das galerias contradizem a identidade da instituição, muito embora ambas sejam aceitas como de uso legítimo pelo museu.
Isto nos leva à questão da institucionalização da assim chamada arte global. É, neste sentido, necessário fazer uma distinção. Na minha opinião, a questão se refere ao papel do museu local de arte local, especialmente, fora do Ocidente, e sua sobrevivência. Em 2005, a curadora sênior do Musue Taipeh de Arte Contemporânea, Kao Chien-hui, lidou com estas questões ao lançar uma exposição cujo tema era a instituição como tal. Ela chamou a sua exposição de Trading Place (espaço de comércio) - “exposição comentada”, montada como uma exposição de arte “conceitual embora plástica” mas no sentido do discurso sobre questões que tratam do mundo da arte hoje.”(25) O museu não falou com sua própria voz, e sim convidou os artistas a lidar com tópicos tais como “roubar, trocar, comerciar, re-presentar e apropriar-se erroneamente.” O artista Zhang Hongtu montou uma “réplica de arena de exposição” onde o trabalho genuíno foi questionado como noção universal. Uma peça com o título MoMAo Museum (Museu Apenas da Minha Arte) ridicularizou o Museu por ser um palco para a auto-promoção ao invés de uma representação do mundo da arte como tal. A exposição certamente revelou um desejo de envolver o público local nas políticas de coleção e exposição. Assim, o público foi encorajado a ver o museu e também o mundo da arte contemporânea através da mediação das visões dos artistas sobre estes assuntos para assim desenvolver sua própria atitude.
8. Epílogo
Durante três anos, o Collège International de Philosophie em Paris organizou um seminário que oferecia intervenções mensais sobre modelos de exposição de Arte Contemporânea.(26) O foco não estava na coleção do museu, mas no espaço da exposição com seus inúmeros jogos e formas de entretenimento. Os oradores franceses limitaram ainda mais a discussão ao reduzirem a Arte Contemporânea a um tópico ocidental, como se a globalização da produção artística, a manifestação mais conspícua da Arte Contemporânea, ainda não tivesse acontecido. A artista Alejandra Riera apresentou um paper intitulado “Um problema mal resolvido.” Mas o que é o problema? Considero a institucionalização da Arte Contemporânea, em uma escala global, “o problema mal resolvido.” Talvez os museus de arte tenham que encontrar várias soluções, e não apenas uma, já que o seu futuro depende de um significado local até mesmo na era global.
O problema permanece com as expectativas de seu público. Mas o que é o seu público? Por um lado, os museus precisam atrair o turismo global, o que significa reclamar sua fatia na nova geografia das culturas mundiais. Neste sentido, o conformismo da arte global não seria uma solução. Por outro, precisam de aceitação e apoio do público local. Cultura, para começar, é específica do ponto de vista local, mesmo que minorias exijam uma maior visibilidade nas instituições de arte. Neste caso, se trata de um problema econômico, no outro, demonstra ser um problema político relacionado à liberdade de expressão.
No final, não é suficiente simplesmente considerar museus de arte não mais do que projetos econômicos ligando-os assim a visões de uma economia mundial expandida. Ao invés disto, seu problema está enraizado no reconhecimento da “arte,” uma vez que este conceito — em um sentido duplo — alimenta e mina a produção de Arte Contemporânea. Arte era uma idéia ocidental que surgiu na modernidade contra a resistência nacional e promoveu a reclamação contestada de um modernismo internacional. Uma vez que o universalismo, neste sentido, não sobreviveu ao senso comum, poderemos nos perguntar se no final das contas a arte se tornará uma idéia local. Tal questão revela a complexidade inerente ao assunto dos museus. “Arte local” não pode significar uma série de definições arbitrárias que mudam de um lugar para o outro. O Local precisa e irá adquirir um novo sentido diante do mundo global.
Os museus desempenham um papel crítico, especialmente no âmbito da Arte Contemporânea, um papel diferente da representação do patrimônio mundial. Atualmente, não é possível prever qual papel lhes será conferido. Na melhor das hipóteses, levaria à orquestração de papéis que são diferentes mas ainda assim compatíveis. Tais papéis estão intimamente ligados à reclamação contestada por criatividade pessoal, incluindo a liberdade de expressão, que foi garantida como um ideal já aceito de competência estética em termos de uma qualidade diferenciada de “arte.” Simultaneamente, tal conceito de arte foi a condição para criar um território externo que chamamos de museu, uma zona protegida das garras do poder político. Outra hipótese seria de que esta zona permaneceria uma esperança nas partes do mundo em que a liberdade política parece estar sob perigo. Para concluir, os museus de arte precisam integrar o duplo papel de permanecerem (ou se tornarem) uma instituição independente e, simultaneamente, servirem como um novo fórum político.
(1) Hans Belting, Likeness and presence (Chicago 1994).
(2) Derrick de Kerckhove, La civilisation vidéo-chrétienne (Paris 1990) com referência a McLuhan.
(3) Hans Belting, “The exhibition of culture”? Cf.p. neste volume.
(4) Bernard Dupaigne, Le scandale des arts premiers. La veritable histoire (Paris 2006).
(5) Brian O’Doherty, Inside the White Cube (New York 1984).
(6) Hans Belting, Art History after Modernism (Chicago Univ. Press 2003).
(7) Arthur C. Danto, After the end of art.Contemporary Art and the Pale of History (Princeton 1997).
(8) Shelly Errington, The death of authentic primitive art and other tales of progress (Univ.of Calif.Press 1998).Cf. Sally Price, Primitive art in Civilized Places _(Chicago 989) and R. Corbey, _Tribal Art Traffic (Amsterdam 2000).
(9) John Elderfiel, ed., Imagining the Future of the Museum of Modern Art (New York 1998).
(10) Arthur C. Danto, Beyond the Brillo Box (New York 1992).
(11) Hans Belting, The Invisible Masterpiece (Chicago 2001)p.362ff.
(12) Edw.Steichen, The Family of Man (Catal. MoMa 1955).
(13) Robert Frank, The Americans (Paris 1958, N.York, Grove Press 1959, re-editado Zurich 1997).
(14) Video Art, ed. Ira Schneider e Beryl Korot (London 1976).
(15) William Rubin, “Picasso,” in: Rubin, ed., “Primitivism” in 20th cent. Art. Affinity of the Tribal and the Modern (New York 1984), vol..I., p.241–340.
(16) Thomas McEvilley, “Ouverture du piège, e Homi Baba, Hybridité, heterogeneité et culture contemporaine,” in: ed. Hubert Martin, Les magiciens de la terre (Centre G.Pompidou, Paris 1989), pp.20 e 24. (17) Hubert, ibid., p.8f.
(18) Rasheed Araeen, ed., The Third Text Reader on Art, Culture and Theory (London 2002), p.3ff. (Prólogo por Sean Cubitt).
(19) Peter Weibel, ed., Inklusion:Exklusion (Graz: Steirischer Herbst 1996).
(20) Colin Richards, “The wounds of discovery,” in: A. Pinto Ribeiro, ed., The state of the world (Lisbon: Gulbenkian Foundation, 2006), p.18f.
(21) Marc Augé, An Anthropology for Contemporaneous Worlds (Stanford 1999), p.89ff. Cf. Francis Affergan, La pluralité des mondes. Vers une autre anthropologie (Paris 1997).
(22) Moira Simpson, “A world of Museums: New Concepts, New Models,” in: Pinto Ribeiro (ver nota 20), p.101f.
(23) My description in Belting, Art History after Modernism (Chicago 2003) p.153ff.
(24) André Malraux, Anti-Memoirs (New York 1968).
(25) www.mocataiei.org.tw/english (2006).
(26) L’Art Contemporain et son exposition(1) (Paris: L’Harmattan, 2002) Com o texto de A.Riera na p.139ff.