Marcel, 30 - Conferência 1
A primeira palestra do seminário Marcel, 30 correu por conta do antropólogo cultural e historiador da arte Jürgen Harten. Harten foi um importante interlocutor de Marcel Broodthaers e o acompanhou desde o início de sua carreira como artista em 1969. Sua palestra recheou o seminário com importantes testemunhos da sua relação profissional e de amizade com o artista . De acordo com o palestrante, Broodthaers se considerava um “artista literário” cujo apadrinhamento intelectual poderia ser atribuído ao poeta Stephane Mallarmé. A primeira obra de Broodthaers testemunhada pelo palestrante foi o irônico Musée d’Art Moderne – Départment des Aigles – Section XIXième Siècle que o artista criou em seu próprio apartamento em Bruxelas em 1969. Consistia em um “museu” improvisado onde se encontravam embalagens de obras de arte e cartões postais reproduzindo pinturas dos século XIX. De acordo com Jürgen, batizar a operação de Museu de Arte Moderna teria sido uma reação crítica do artista às omissões culturais e políticas da época em Bruxelas. Para Harten, a simulação de um ambiente público na residência do próprio artista teria sido um dos aspectos mais subversivos dessa ação. Foi nessa subversão que residiu o interesse de Jürgen – então diretor do Kunsthalle de Düsseldorf – que convidou o artista para dar continuidade ao seu projeto nessa instituição. Harten previu a participação de Broodthaers dentro de uma série de eventos no Kunsthalle chamado between. Tais eventos aconteciam entre as exposições oficiais e pretendiam ser uma resposta às exigências de estudantes para que essa instituição fosse mais democrática e aberta a práticas menos institucionalizadas. Broodthaers recusa a sua proposta inicial, mas logo em s_euida apresenta uma contra-proposta. O seu projeto previa a continuidade da Section XIX ième Siècle que ironicamente receberia a palavra bis no título. Nessa atualização, a obra incluia alguns originais emprestados do Museu de Arte de Düsseldorf além de fotos, material impresso, posters, cartões de arte postais, duas embalagens (lembrando a primeira versão do Musée) e a projeção de filmes e slides. Entre janeiro de 1971 e outubro de 1972, Broodthaers – tendo se mudado para Düsseldorf com a família – criou e operou a Séction Cinèma de seu museu fictional. Em um porão alugado, o artista exibiu filmes como Un film de Charles Baudelaire e Un voyage à Waterloo, sobre Napoeleão. Harten também participou ativamente da próxima aparição do Départment des Aigles. Esse projeto, que mais tarde acabou se chamando Section des Figures, incluia centenas de representações de águias emprestadas de instituições diversas, o que envolvia intensas negociações. De acordo com Harten: “Broodthaers trabalhou comigo para melhorar sua credibilidade nos empréstimos”. A coleção era constituída por uma infinidade de objetos, fotos, emblemas de todo tipo, esculturas, pinturas, jóias, tecidos, cerâmica, livros, etc., que incluíssem o motivo águia. No momento da exposição, cada figura recebia um número com o número do catálogo e a frase “Isto não é uma obra de arte” em alemão, inglês ou francês. De acordo com o palestrante, esse método se baseava em uma combinação da dialética de Duchamp e a retórica de Magritte. Para Jürgen Harten, o uso da abordagem negativa do “ ‘Isto não é uma obra de arte’ poderia ser entendido como ‘Isto é uma figura’, e isso também se aplicaria a ficção do próprio museu; por outro lado, também oferece a possibilidade de considerar cada uma das águias em suas características como uma figura, e compará-las criticamente àquelas que representavam.” Essa exposição era acompanhada por textos e informações impressas, elaborados pelo próprio artista em conjunto com o Kunsthalle, que pretendiam dar visibilidade às múltiplas e complexas camadas desse evento. No material entregue para a imprensa, por exemplo, encontrava-se uma página sobre “Palavras e imagens” de Magritte extraída da revista La Révolution Surrealiste, fragmentos dos diálogos entre Pierre Cabannes e Marcel Duchamp, assim como outras fontes relacionadas a aspectos simbólicos, poéticos e zoológicos da águia. Na introdução do catálogo da exposição escrita por Broodthaers, o artista “agradecia Willy Brandt entre outros pelo clima político na Alemanha que permitia a discussão do conceito de arte de uma forma analítica (mais do que emocional).” Além disso, uma breve esplanação do “Método Duchamp-Magritte” também fazia parte do texto do artista. Jürgen Harten apresentou um artista consciente das múltiplas camadas do contexto onde atua: a Europa de 1960 e 70, as políticas culturais governamentais, os trâmites burocráticos das instituições, as relações de poder e influência entre artista e instituição, a imprensa, as implicações lingüísticas de suas operações, a relação com o público e as relações de seu trabalho com a história da arte ocidental, presente e passada. O que vemos é um artista situado em um contexto artístico, político e literário. E aqui o contexto nos ajuda a entender o texto. (por Jorge Menna Barreto)