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O Masp pede socorro

Veja São Paulo faz reportagem sobre a crise financeira no MASP: profissionais dão sugestões para superar a crise da instituição.

 

 

Em dificuldades financeiras, o Museu de Arte de São Paulo abre conta corrente para receber doações

Miguel Boyayan

 

O Masp, um dos maiores patrimônios da cidade: dívida de 3,3 milhões de reais

 

 

Impossível imaginar São Paulo sem o Masp. Seria como Paris sem o Louvre, Madri sem o Museu do Prado, Washington sem a National Gallery. Ou o Rio de Janeiro sem o Maracanã, Roma sem o Coliseu. Uma das mais importantes instituições paulistanas, cartão-postal da cidade e motivo de orgulho até de quem nunca foi lá, o Masp reúne uma fabulosa coleção de arte mundial e, no Hemisfério Sul, nenhum outro museu rivaliza com ele em valor e prestígio. Seu acervo é tão grande que a maioria das 7.000 peças da coleção, por falta de espaço, não pode ser exposta. Algumas delas nem sempre estão lá, pois são enviadas por empréstimo para importantes exposições internacionais. Qualquer mostra de Renoir, por exemplo, fica empobrecida se não tiver pelo menos uma das doze telas do mestre francês do impressionismo pertencentes ao museu criado em 1947 pelo empresário e jornalista Assis Chateaubriand. Ao lado delas, enfileiram-se obras preciosas de Velázquez, El Greco, Van Gogh, Rafael, Degas, Monet, Picasso...

É todo esse tesouro artístico avaliado em 1 bilhão de dólares que, neste momento, precisa de socorro. Aos 57 anos, o Museu de Arte de São Paulo vive uma séria crise financeira. É preocupante. Talvez seja a maior de sua história. O museu acumula 3,3 milhões de reais em dívidas trabalhistas, o que representa metade do orçamento anual. Seu presidente, o arquiteto Julio Neves, questiona o valor na Justiça, mas já foi obrigado a deixar penhorado para o INSS um dos quadros do acervo, com valor estimado em 4 milhões de reais. O pagamento dos salários dos 150 funcionários e colaboradores atrasou no mês passado. Desde abril a prefeitura de Marta Suplicy não repassa os cerca de 80.000 reais que deve pagar mensalmente ao museu. Esse dinheiro é destinado à manutenção do prédio, que pertence ao município, e à pesada conta de luz – 750.000 reais por ano, já que, para manter as obras em temperatura adequada, o ar-condicionado precisa ficar ligado 24 horas.

Para complicar, o Masp está impedido de conseguir novos recursos junto ao Ministério da Cultura. Isso porque deixou de prestar contas sobre a utilização de cerca de 800.000 reais liberados pelo governo federal para um projeto de revitalização. Entre março de 1996 e setembro de 2001, o prédio passou por uma complexa reforma de infra-estrutura, que incluiu a retirada do madeiramento que estava tomado por cupins, a eliminação de infiltrações na cobertura e a troca de todo o sistema de ar-condicionado. Até um terceiro subsolo, de 1.500 metros quadrados, foi construído. Nele se encontra a sala-cofre onde estão guardadas as peças não expostas.

Mais inquietante ainda é constatar que os paulistanos e os visitantes estão indo muito menos ao magnífico prédio da Avenida Paulista projetado pela arquiteta Lina Bo Bardi, com seu vão livre de 74 metros de extensão sustentado por quatro pilares pintados de vermelho. Assim, a bilheteria ficou bem menor como fonte de recursos. Em 1997, ano da exposição Monet – O Mestre do Impressionismo, mais de 700.000 pessoas estiveram no museu. Esse número diminuiu cerca de 70%. É um cruel círculo vicioso. Com a programação esvaziada, menos gente se mostra disposta a pagar os 10 reais cobrados pela entrada. Resultado: só 189.000 pessoas passaram pelas catracas no ano passado. A arrecadação diminuiu e, enquanto os credores apertam, o museu não consegue promover novos eventos para conquistar de volta os freqüentadores que perdeu. "O Masp deixou de atrair as megaexposições internacionais de que o público tanto gosta", observa o leiloeiro Renato Magalhães Gouvêa, um dos membros do conselho do museu. "E agora a concorrência é maior. Há mais espaços para as grandes mostras na cidade, e os patrocinadores tradicionais, como bancos, preferem investir em seus próprios institutos culturais."

Em outubro, será eleita a próxima diretoria. Julio Neves não pretende se candidatar para a presidência pela sexta vez. "Já estou com 72 anos, sinto-me cansado e não quero ocupar novamente esse cargo", afirma Neves, que comanda o museu pela escolha de um pequeno grupo de 62 sócios vitalícios. Se por acaso houvesse a dissolução da sociedade mantenedora – o que, diga-se, não se cogita –, todo o seu patrimônio artístico cairia na mão do Estado, mais precisamente na Pinacoteca, como rege o estatuto. No Museu de Arte Moderna (MAM), há 1.000 associados. "Eles nos ajudam a manter o MAM saudável financeiramente", afirma Ronaldo Bianchi, superintendente do museu. Quem se associa paga uma anuidade de 60 reais e tem descontos no restaurante, nas lojinhas e nos cursos oferecidos ali. "A sociedade de amigos é uma boa idéia, mas seria ainda melhor se os principais museus de São Paulo juntassem forças, racionalizassem suas estruturas e otimizassem seus recursos", sugere Bianchi.

É o que se faz na França. Lá, para administrar os fundos destinados à aquisição e conservação das coleções de arte, foi criada em 1895 a Reunião de Museus Nacionais (RMN). Sob supervisão do Ministério da Cultura francês, o RMN hoje trabalha com 34 museus e dois centros de exposições, explorando suas marcas comerciais, o que lhes garante, somado à bilheteria, a saúde financeira. Diferentemente do que ocorre na Europa, onde é muito forte a presença do Estado no fomento da cultura, os museus americanos, em grande parte, nascem e prosperam com o engajamento dos cidadãos. Só o Metropolitan Museum de Nova York conta com 120.000 membros, que contribuem com anuidades entre 45 e 20.000 dólares. É comum que empresários bem-sucedidos, com doações de peso a instituições culturais, retribuam à sociedade tudo o que conquistaram. Um dos casos mais notáveis é o da família do banqueiro e industrial Andrew Mellon, que, além de participar com um grupo de magnatas da fundação do Metropolitan, destinou 900 obras para criar a National Gallery, na década de 30.

Aqui, as doações de obras de arte ou de dinheiro para museus são a exceção, não a regra. Assis Chateaubriand, quando montava o Masp, espremia o bolso de empresários paulistas para obter recursos, às vezes com chantagens. Hoje em dia são raros os gestos como o do banqueiro Aloysio Faria, que recentemente doou para o museu o tríptico A Crucificação de Cristo, do flamengo Jan van Dornicke, avaliado em 1 milhão de dólares. Na semana passada, quando a crise do Masp foi exposta numa reportagem do jornal O Estado de S.Paulo, o Masp abriu uma conta para receber contribuições (Bradesco, agência 3381-2, conta corrente 500.500). "O esforço para salvar o museu tem de ser do tamanho do valor de suas obras, ou seja, gigantesco", afirma a curadora Vanda Klabin, especialista em história da arte. Há vários caminhos para que o Masp consiga se recuperar, como os sugeridos por personalidades da vida cultural paulistana. Só não se pode esperar. Há um fabuloso patrimônio de São Paulo que precisa ser socorrido. Antes que se corra o risco de perdê-lo.

 

 

Dez sugestões para superar a crise

"Um dos meus projetos é licenciar mais produtos com a marca Masp para vendê-los na loja do museu ou pela internet. Ao mesmo tempo, queremos envolver a sociedade no esforço de recuperar nossas finanças. Já abrimos uma conta corrente para receber doações."

 

Julio Neves, presidente do Masp

"Ampliar o programa de ensino, com a criação de cursos de moda, fotografia e design, traria uma importante fonte de receitas. Hoje, o Masp só oferece cursos ligados à história da arte."

 

Renato Magalhães Gouvêa, leiloeiro

"Os sócios vitalícios, atualmente, são 63. É preciso aumentar muito esse número e fomentar a sociedade de amigos, cujos membros, em troca de doações, receberiam benefícios como entradas gratuitas e descontos em cursos. Esse é o modelo americano de administrar museus."
Ronaldo Bianchi, superintendente do MAM

"O Masp precisa mesmo é de recursos para aumentar sua programação e atrair mais gente. Se as empresas se sensibilizarem e a cidade se interessar mais, o museu está salvo."

 

Ivo Rosset, empresário

"A gestão deveria ser entregue a administradores com formação em museologia e áreas correlatas, como história. Também seria uma boa idéia contratar um presidente estrangeiro para dar mais projeção ao museu."
Martin Grossmann, do Fórum de Museus

"Para recuperar seu prestígio, o Masp necessita de um diretor rico, um banqueiro, por exemplo, que saiba fazer dinheiro."

 

Kim Esteve, colecionador de arte

"Elaborar um projeto cultural a longo prazo estimularia o Estado e a iniciativa privada a destinar verbas para lá. Mas isso só vai funcionar se a diretoria for profissionalizada."
Aracy Amaral, crítica de arte

"O Masp tem de ser mais dinâmico e atuante para divulgar melhor suas exposições, criar cursos e intensificar o intercâmbio de obras com outros museus do mundo."

 

Mônica Filgueiras, galerista

"O primeiro passo é valorizar seu magnífico acervo. Uma revista poderia ajudar na divulgação. As grandes exposições promovidas nos últimos anos não formaram público nenhum, apenas serviram para girar a catraca."
José Resende, artista plástico

"Há vários caminhos: melhorar a política de investimentos, oferecer novos atrativos para o público, criar um clube de colecionadores, fazer parceria com galerias e baixar o preço do ingresso."

 

Vanda Klabin, curadora

 

Com reportagem de Marcos Buarque de Gusmão