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Rochelle Costi: artista plástica *

originalmente publicado no Caderno 1 de março de 1998, editado pela Galeria Brito Cimino Arte Contemporânea e Moderna, que, na época, representava a artista.
Rochelle Costi | Quartos-São Paulo (1998) | MutualArt Toalhas_Rochelle_Costi_1995_1997
Série "A Casa" ,1998      || "Toalhas" VI Bienal de La Habana, Fortaleza El Morro, 1997

 

 

"Sou uma artista plástica." É assim que Rochelle Costi se coloca. Apesar de usar como suporte a fotografia, seu trabalho não se limita a essa linguagem. Vai além, como poucos, no atual cenário da arte contemporânea. Reconhecimento institucional é o que não lhe falta. Ela acaba de receber da Funarte o prêmio Marc Ferrez. No ano passado, seu trabalho no Arte Cidade 3 foi, com justiça, considerado um dos melhores pela crítica e pelos visitantes que se aventuraram pelas ruínas industriais ao longo da linha de trem na Barra Funda. Internacionalmente, seu trabalho marcou presença em dois eventos de grande importância em 1997: a VI Bienal de Havana e a II Bienal de Fotografia de Tóquio.

Nessa sua primeira exposição individual na Brito Cimino, Rochelle nos apresenta, a princípio, um conjunto de obras bidimensionais de grande proporção – fotografias – originado de duas séries distintas, intituladas respectivamente A Casa e Toalhas . A Casa é um registro fotográfico em cores de sua própria casa apresentado em cópias-papel de 155 cm x 117 cm. Toalhas é uma série de fotomontagens, finalizadas em impressão eletrostática sobre vinil, medindo 200 cm x 132 cm cada, realizadas para a Bienal de Cuba. Esse trabalho faz referência direta às toalhas de mesas populares impressas em plástico, e suas padronagens são obtidas através da edição de "naturezas-mortas": fotos de alimentos e flores em decomposição. A artista adicionou a esse conjunto uma fotografia singular de menor tamanho: um retrato de uma casa de bonecas localizada em uma redondeza bucólica.

No entanto, a descrição dessa individual de Rochelle não condiz com o que a artista de fato está expondo, uma vez que esse conjunto de "fotografias" compõe na verdade um espaço. Ou seja, o que vemos na galeria não é uma mera exposição de fotos, mas a configuração de um ambiente na galeria "white cube". Essa mesma intenção em se obter uma montagem espacial também está presente na composição de suas obras, se observadas na sua individualidade. Esse é um dado importante em seu trabalho que vem sendo desenvolvido desde o início desta década. A partir de 1991, a obra da artista conquista uma outra dimensão espacial. Até então, significativa parte de sua produção usava como suporte aparelhos especialmente construídos ou "ready-made" de visualização de imagens: caixas de luz, espelhos, display para cartões-postais, etc. Esses são por natureza meios convergentes que exigem do observador um olhar introspectivo. Dois trabalhos são cardeais nessa transformação que ocorre, não por acaso, quando a artista reside por um ano na Inglaterra. São eles: Pós-Imagem, uma oportunidade óptica e Cinqüenta Horas, auto-retrato roubado , este último pertencente ao acervo do MAM – Museu de Arte Moderna de São Paulo. Esses trabalhos foram idealizados para serem expostos em uma parede. Por um lado, continuam exigindo um olhar introspectivo do observador; por outro, requerem um deslocamento do observador diante de suas extensões horizontais. Essa "varredura" indica não só uma significativa ampliação dos limites espaciais de suas obras e uma outra relação observador-obra, mas também o amadurecimento do domínio espacial da artista. "Pós-Imagem" se dá ao público como uma partilha visual, uma obra para ser lida por um corpo em movimento. "Cinqüenta horas" desvela a complexidade da operação-arte e nos remete aos melhores momentos da arte metalingüística, como "Las Meninas", de Velásquez (1656), "Le Déjeuner sur l'Herbe", de Manet (1863), "Anthtopométriques", de Yves Klein (1960), ou a "Escultura Viva", de Piero Manzoni (1961).

A condição da artista como modelo em Cinqüenta Horas torna Rochelle consciente de que "atividade e passividade dependem de como ocupar o espaço" (palavras da artista). Desde então, a obra de Rochelle está condicionada à atividade, a uma contínua troca de pontos de vista construtivos. A fotografia da casa de boneca da artista na região serrana de Caxias do Sul, presente nessa sua individual, é apenas uma lembrança da experiência espacial introspectiva, e por que não egocêntrica (infantil), da artista: um momento nostálgico. Ela hoje sugere uma outra forma de habitação, intersecção de vários espaços imagéticos, concretizada com a efetiva participação do observador como ocupante desse espaço virtual. A ocupação se dá tanto nas obras individuais como no conjunto. Cabe a nós o uso e o proveito!

Martin Grossmann (1998)