Pivetta ou o pixo como arte.
Hoje não é quarta, mas o assunto é urgente. Então, mais uma edição especial. Perguntaram e eu respondi. :)
A idéia do movimento pela libertação de Caroline é interessante, mas será que sua atitude na Bienal foi um ato de louvor a arte ou um foi um exibicionismo exacerbado? Com tantos blogs e redes sociais disponíveis para se expressar, porque expressar suas idéias de uma forma não-convencional? Mesmo colocada em liberdade, ela arcará com os custos da suposta arte?
Fábio Platero
Fábio,
quem escreve é a Charô, formada em Arquitetura pela FAUUSP, com pesquisa sobre as políticas de cerceamento da democracia na cidade. Isso pode parecer pedante, mas em nenhum momento quero usar o argumento da autoridade. Aliás, a todo instante se trata de destruir essa idéia: não estou contaminada pela idéia pre-concebida do que é arte.
Quero apenas deixar bem claro que não se trata de minha opinião pessoal, mas uma tentativa de entender o pixo como fenômeno urbano. Evito, a todo custo, um posicionamento baseado em gosto e/ou opinião. Entretanto, preciso salientar que estas são minhas primeiras considerações formais sobre o assunto.
O pixo como arte
O pixo é arte por que é elaborado como tal. E se é arte para um determinado grupo de pessoas, deve ser estudado. O fato, por exemplo, de minha mãe não reconhecer Duchamp como arte, não o invalida. Apenas relativiza.
O pixo como agressão
Se bem entendi, você pergunta se a ação de Caroline foi um louvor ou um ato de exibicionismo exarcebado. A resposta é nenhum dos dois. A proposta do pixo não é (e espero que nunca seja) de louvor à arte tal qual a concebemos usualmente. A declaração de Caroline na folha responde à sua pergunta:
Tanto grafite, quanto picho são underground, coisa do fundão. Não são feitos para exposição em galeria. A parada que eu faço é na rua, é para o povo olhar e não gostar. Uma agressão visual.
Daí o frescor do pixo, seu poder, sua espontaneidade, características dos movimentos de vanguarda. Só que dessa vez, os artistas, ou pelo menos alguns deles, são jovens a quem a sociedade tenta calar de todo jeito. E eles vão para as ruas! Brilhante como estratégia!
O pixo como forma de expressão e identidade urbana
Você reconhece que o pixo é uma forma de expressão em suas palavras, mas questiona se não seria mais convencional usar a internet (blogues, redes sociais) para isso. Vamos à pessoa de Caroline para entender isso.
Ela diz que não precisava se expor dessa forma na Bienal. Mas quando percebeu, já estava com o spray na mão. A pergunta é: o que deveria fazer um artista numa Bienal que se mostra esvaziada e pergunta aos artistas como deveria ser preenchida.
Calar-se? Ou aceitar o convite à reflexão? Ou só artista de primeiro escalão é que pode se pronunciar? O caminho aqui é entender sua participação/pixação como arte, a despeito de qualquer enquadramento jurídico que se possa fazer.
Pivetta também usa o pixo para aparecer, como expressão da identidade (e não exibicionismo exacerbado como essas pseudo celebrities, esvaziadas de conteúdo e preenchidas com bundas). A diferença é que sua tela é a cidade, um meio mais democrático/abrangente que internet e redes sociais. Ou seja, mais uma vez, completamente coerente.
Entretanto, é preciso falar que essa juventude não renega o mundo virtual. A própria Sustos está online. E poderiam ser citados vários outros. Um dos meus preferidos são o Vandalismo em Sampa, com seu discurso de destruição da cidade e apologia à arte proibida.
Imagem por Vandalismo em Sampa
O óbvio é classificar como crime, mas questione sobre "destruir a cidade de quem" e o "por que arte proibida". A cidade, a arte e a justiça não são democracias como gostamos de pensar. E esses jovens, pelo menos aqueles com quem entrei em contato, estão muito conscientes disso. Na verdade, essa é uma de suas bandeiras.
Basta entender a rua como um dos poucos meios de expressão que ainda resta nessa escalada da privatização urbana (vide carro, que nada mais é que espaço urbano que se privatiza cotidianamente) percebe-se mais facilmente o pixo como expressão de identidade.
E tem mais: Art crimes
E depois de gastar muito de meu latim, você poderá argumentar que isso é arte mas também é crime. Sim, comcordo. E também direi que a Bienal, como instituição, é afeita aos artcrimes. Na penúltima edição, uma das artistas convidadas foi Minerva Cuevas, autora de Mejor Vida Corp. Prestenção:
Distribuição de bilhetes de metrô, alteração de códigos de barra para a redução de preços de alimentos no supermercado, cartas de recomendação para pessoas procurando emprego e confecção de carteirinhas de estudantes falsificadas podem ser entendidos como mecanismos de um novo tipo de terrorismo social, ou talvez de terrorismo de consumo, um “experimento político e social conduzido na arena da vida cotidiana”[3], que visa opor-se às noções de mercantilização e lucro.
Fonte ou veja você mesmo!
Ou seja, a condenação de Pivetta é um retrocesso conceitual? Não. Não é. Mas dessa vez o artcrime evidencia a fragilidade da própria Bienal. Então, dessa vez, não pode.
O preço
Caroline pagará o preço? Não sei. Há quem defenda que ela deve "pagar"'. Porém, sua condenação, seria o mesmo que admitir que o convite da Bienal foi um crime. E pior, que ainda estamos mesmo divididos em cidadãos de primeira e segunda classe.
Como brasileira, negra, anarquista, artista e arquiteta, sei que isso é verdade. Mas seria um duro golpe, mais uma vez, ver o poder público passar essa mensagem. O que espero é que Pivetta, presa ou não, aproveite essa propaganda e tome seu lugar no debate artistico. Assim como todos os outros pixadores.