Alguns (in)cômodos do projeto
O que segue é o texto necessariamente incompleto escrito para figurar no livro que (supostamente) será lançado no começo do ano que vem (2010) pelo Paço das Artes como publicação retrospectiva da “Temporada de Projetos 2009″. É importante ressaltar que o espaço reservado para nós no livro se limitava a 6000 toques, daí, em grande parte, o resultado que segue.
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Temporada de Projetos na Temporada de Projetos dispõe de uma exposição na qual são expostos cerca de 150 projetos de artistas e curadores enviados para o mesmo edital no qual foi selecionada para ser realizada como projeto de curadoria. Além da exposição, são estruturados outros dois eixos de igual importância: uma série de atividades de formação e o uso de ferramentas na Internet. O texto que segue é um resultado inicial decorrente de todos esses eixos e das discussões que aportaram e geraram.
Alguns (in)cômodos do projeto
É indiscutível que a necessidade da elaboração de projetos tornou-se universal, encontra-se hoje em quase todas as formas de produção humana. Podemos dizer com alguma confiança que é praticamente impossível realizar qualquer coisa, especialmente em escala um pouco maior que a pessoal, sem antes possuir um projeto adequado. No entanto, paradoxalmente, ainda são escassas as reflexões sobre essa condição.
Não nos interessa aqui traçar um histórico, genealogia ou categorização desses projetos, mas sim um breve apontamento de algumas das tensões geradas e explicitadas pela necessidade de elaborar projetos.
Mediação e contexto
Em primeiro lugar é importante considerar se o projeto é apenas uma forma de seu autor mediar a sua produção com o mundo, o que parece ser o caso inicialmente. Se levarmos em conta que todo projeto existe em um determinado contexto, percebemos que a situação é mais complexa, passa necessariamente pelo estabelecimento de um intercâmbio do autor com o mundo e vice-versa. Em geral poderíamos até dizer que todo projeto é um sub-projeto, isto é, é um projeto dentro de outro(s) projeto(s) e disso decorre que ele, desde sua concepção, já possui uma relação específica com o seu contexto. Então, um projeto não é somente uma forma de mediar a intenção produtiva de seu autor, mas ele só pode ser entendido como tal se estiver claro qual é o contexto de sua existência, ou seja, a qual ’supra-projeto’ ele se reporta.
Em decorrência dessa situação podemos identificar duas características cruciais para a compreensão dos projetos e também da dificuldade de sua elaboração. Primeiro, já que existe no contexto específico de sua elaboração, cada projeto é único, isso significa que, em geral, um determinado projeto para ser executado deve ser adaptado e re-adaptado, re-elaborado a cada vez que necessite ser encaminhado para um novo contexto. Segundo, é fundamental para o autor do projeto que o contexto no qual pleiteia introduzir seu projeto esteja absolutamente claro no momento em que ele é elaborado. Agora, essa clareza pode significar uma facilidade na medida em que que o autor possa pré-avaliar a aptidão de seu projeto antes mesmo que ele seja elaborado, ou, por outro lado, pode se configurar uma enorme dificuldade quando se negam ao autor do projeto acessos facilitados e explícitos para a avaliação desse contexto, o que exige dele um esforço que vai além da elaboração do projeto e que, não raro, passa até pela própria “elaboração” do supra-projeto no qual ele se inserirá.
Tradução e auto-mediação
Se podemos dizer que hoje toda produção requer um projeto, também devemos apontar que essa condição não é dada a priori. Isso quer dizer que existe um sem-número de práticas para as quais o projeto não é uma necessidade em si, ao contrário, trata-se de uma imposição externa.
Nesses casos é evidente que a elaboração do projeto é vista como um fardo, uma etapa indesejável e que se torna até anti-produtiva. É uma interrupção da atividade de quem assume o papel de autor de um projeto cujo propósito torna-se justificar uma atividade sendo que ao olhos do próprio autor ela parece prescindir dessa justificativa. Mais ainda, nesses casos é comum que os resultados da atividade que precisa ser justificada estejam bastante distantes do formato que assumem os projetos. Ainda assim, a elaboração do projeto se justifica na medida em que é vista pelo autor como a possibilidade de financiar, legitimar, inserir e/ou dar visibilidade à sua produção.
Por outro lado, não podemos deixar de mencionar aqui que há muitas práticas para as quais a elaboração de projetos é imprescindível. Isto é, práticas que só são possíveis graças à existência do modo de produção que conta com o projeto. Em geral estão relacionadas às atividades nas quais é desejado o distanciamento entre a produção intelectual — que se ocupa de projetar e planejar — e produção em si — que trata de tornar reais as especulações e projeções.
De qualquer forma, o projeto é sempre um exercício de previsão, e por isso obriga do autor a reflexão sobre as suas intenções. Assim, o projeto pode ser entendido também como uma forma de auto-mediação, do próprio autor com a sua produção (algo que, vale lembrar, nem sempre é desejado pelo autor, ainda mais no formato de projeto). Essa auto-mediação é o mecanismo pelo qual o autor pode ganhar confiança no que faz em decorrência das reflexões que gera ou, pelo contrário, causar insegurança pela detecção da incapacidade de formatar suas reflexões dentro das restrições do projeto.
Cronologia
Entender o projeto como uma forma de auto-mediação nos permite acessar mais uma das dificuldades que enfrenta seu autor: o esforço que deve empreender para conceber algo para um tempo futuro. Não só dada a dificuldade de prever qual será esse futuro no qual ocorrerá o projeto (ou dar conta de, no projeto, incluir a criação de um determinado contexto no futuro), mas também a capacidade de detalhá-lo em níveis arbitrários de precisão. Dificuldade que se agrava ainda mais quando considerado não só o futuro do projeto, sua realização e seu contexto, mas também o de seu autor.
O projeto e o ato de projetar necessariamente possuem implicações temporais muito profundas e que deveriam ser incluídas aqui, mas devido às limitações do espaço que nos foi concedido neste livro encerraremos somente com essa provocação incial.
Considerações finais
O presente texto foi escrito com a intenção de apontar
possibilidades de ampliar e problematizar algumas características da
prática de elaboração de projetos, em concordância com os objetivos da
“Temporada de Projetos na Temporada de Projetos” e, tal como ela, ainda
não pode ser considerado terminado. Por isso mesmo nos parece crucial
elencar pelo menos algumas das questões que não foram abordadas
aqui, que impulsionaram a proposta e com as quais ainda nos
confrontamos; podem servir de entradas e pontos de partida para futuros
debates:
A demanda pelo formato projeto pode privilegiar um determinado tipo de
produção em detrimento de outros ou ainda transformá-la? O quanto um
projeto de fato pode mediar uma produção? O quanto ele contém daquilo
que media? Qual é a relação que os autores estabelecem entre processo,
projeto e realização?
Seguimos acreditando na necessidade de uma reflexão mais profunda sobre projetos, para benefício crítico de qualquer agente (indivíduo, organização, grupo, instituição, etc.) que tenha com eles alguma relação (seja por opção ou não); aquelas que forem geradas pela “Temporada de Projetos na Temporada de Projetos” poderão ser acessadas por meio do site http://projetosnatemporada.org/
Luiza Proença e Roberto Winter, Outubro de 2009