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Encontro Ibero-Americano de Programas de Residências Artísticas

relato por Guy Amado

Encontro Ibero-Americano

de Programas de Residências Artísticas

24 de novembro de 2008

 

Dia 1, Mesa 3 [17:00]

Cooperação com outras instituições

 

Ligia Nobre, Paulina Varas e Miren Eraso

 

A terceira mesa do dia reúne mulheres que irão falar de sua experiência como gestoras de espaços independentes de produção artística e de formas de colaboração com outras organizações. As palestrantes são Ligia Nobre [EXO experimental org, São Paulo] Paulina Varas, do Crac [Valparaiso, Chile] e Míren Eraso [Espanha]. Ex-gestora do programa Arteleku [San Sebastián, Espanha] e que falaria apenas na sessão seguinte, Míren é convidada a integrar também esta mesa. Como de hábito - à exceção de Ligia - todas as falas serão em espanhol, "língua informalmente oficial" no evento por conta de seu próprio enunciado.

A arquiteta e urbanista Ligia Nobre dá início à sessão com um depoimento acerca de sua experiência à frente da EXO experimental org [que durou de 2002 a 2007], uma plataforma autônoma sem fins lucrativos. Abre falando do prazer em estar envolvida nesse projeto, tendo acabado de voltar de um longo período no exterior. Afirma que a EXO nasce de um "desejo íntimo", de uma parceria específica [tendo tido momentos embrionários na Inglaterra, Alemanha e Holanda]. Faz um preâmbulo sobre a própria trajetória, comentando o que considera um legado familiar pessoal – o fato de ser sobrinha de José Olympio, o famoso editor - e de como isso foi determinante na constituição da EXO. "Exo" que alude a exoesqueleto, experiência, um radical de elasticidade conceitual deliberadamente escolhida para o leque de atividades que o projeto iria desenvolver. Ligia diz que foi quando estudava na Inglaterra que sentiu pela primeira vez vontade de conceber algo como a EXO; elenca a vontade de articulação de potencialidades existentes, o interesse pela micro-escala e a convergência desses desejos e inquietações como fatores de peso na fundação da EXO. Ressalta ainda a importância do projeto estar instalado no edifício Copan, por sua força simbólica no plano histórico-arquitetônico, bem como pelas possibilidades de sua própria problematização. O local, onde também se desenvolviam as residências com convidados, constituía um desafio instigante para esse formato de atividades, por suas características emblemáticas de um ideário ideológico-arquitetônico modernista.

Define a EXO como primordialmente um laboratório de reflexão, produção e mediação cultural; uma "rede de colaboração e afetividades" montada com sua sócia e parceira na empreitada, a belga Cecile Zoonens, com o foco mais voltado para projetos de curta e média duração. Geraram vários produtos em outros formatos, além das residências, como palestras, ciclos de conferências e publicações; destaca que sua proposta sempre manteve um vínculo forte com questões da arquitetura, notadamente o projeto modernista brasileiro dos anos 1950. Cita a vontade da EXO em criar um deslocamento da discussão da esfera do pensamento acadêmico para um contexto de mais "vivo" e orgânico, menos restrito. Afirma que alguns dos artistas convidados pela EXO acabaram voltando outras vezes para a cidade, instigados pela experiência anterior, aproveitando para comentar rapidamente alguns trabalhos e projetos realizados [como o de Peter Friedl]. Já mais para o final, não se furta a falar da frustração a partir da constatação de que teriam que cessar com a empreitada, por fatores que não especifica mas que certamente passam por limitações logísticas e orçamentárias, além das inevitáveis demandas particulares/pessoais. A EXO funcionava em uma dinâmica espartana e hercúlea, impulsionada que era por praticamente duas pessoas, Ligia e Cecile - dado que, segundo ela, "demoraram a assimilar". Tenta suavizar esse momento triste da narrativa comentando a ascensão de iniciativas de perfil similar pela cidade, ao que associa ainda o fato de "São Paulo ter mudado muito de lá pra cá". O tom geral de sua fala-depoimento é o de satisfação com a "missão cumprida" e alguma melancolia pelo fim da aventura.

A seguir, Paulina Varas, do Crac de Valparaíso, introduz sua apresentação pelas vias do que chama "experiência distribuída", enfatizando os aspectos relacional e colaborativo na arte contemporânea. Resumidamente, a proposta do Crac passaria por vincular práticas artísticas contemporâneas à história da cidade e sua presente conjuntura político-cultural, conformando um centro de residências para artistas e uma plataforma de debate e reflexão.

Expõe então um texto próprio, denso e lido muito rapidamente, o que prejudicou consideravelmente sua compreensão. Nele, destacam-se questões como o lugar do trabalho e experiências de linguagem em espaços independentes no contexto latinoamericano, e que "táticas de conveniência" e de mobilização podem ser aí implementadas. Diz ser a favor de uma "arte de participação", e não de "arte participativa", sem deixar claro se por esta estaria se referindo a práticas ligadas à estética relacional. Emenda em processos de identificação subjetivos e "rede efetiva de processos afetivos", que ganha contornos de bordão em sua fala. Noto aliás a recorrência do "afeto" como pulsão catalizadora em várias falas durante o evento; o que é compreensível, dada a dinâmica tradicionalmente escassa em recursos que caracteriza essas iniciativas auto-geridas. É natural portanto que caiba a estes espaços engendrar dispositivos ou estratégias de articulação e colaboração que passem pelo canal das afetividades.

 A chilena segue enunciando "outras formas de trabalho", que associa a espaços sociais e a um discurso de identidade cultural e posicionamento geopolítico. Clama por um certo modo de pensar "desde o sul", aproveitando para propor uma reflexão sobre o próprio modelo residências-artísticas como "uma forma de pensar". Me escapa um comentário de Paulina sobre um suposto "dado relacional" na experiência do Crac. Adentra então o contexto mais localizado de Valparaiso, sua cidade de atuação. Ali, sustenta o mote "intervenção como modo de participação" como forma de abarcar a relação "arte-cidade-política-patrimônio", ao que emenda a indagação "qual o lugar do patrimônio como mecanismo de saber em âmbito político"? Ainda no caso da cena em Valparaiso, destaca conceitos como "microtáticas de recuperação do íntimo" como linhas de atuação possíveis na "construção de uma alternativa" [ao contexto apresentado]. Estende-se ainda acerca de metodologias de colaboração, que podem se efetivar em parcerias com espaços de perfis afins como o Lugar a dudas, o El levante, o Capacete, o Kiosko, etc. Não descarta ainda os apoios institucionais [universidades, museus etc.] e parceiros locais, ressaltando a importância da difusão das propostas; e termina.

 

Após um precipitado anúncio de encerramento da mesa, antes que pudesse falar, a espanhola Míren Eraso inicia então sua exposição sobre seu manifiesto por una residencia situada, que tem por objetivo a criação de uma plataforma editorial que conecte programas de residências, espaços de produção e práticas discursivas. Ela abre sua palestra falando da "participação como exercício lúdico", do ponto de vista de quem atua primordialmente na função editorial; na seqüência retoma alguns pontos da fala de Martí Peran [ocorrida pela manhã, à qual não pude assistir]. Chama a atenção para sua experiência com um coletivo de artistas que gerou um texto-manifesto. Fala sobre as possibilidades comunicativas ampliadas pela internet e de seu interesse na circulação de informação; passa por uma série de noções e tópicos já largamente citados em outras falas, como singularidade e experimentação, redes de resistências, etc. Defende uma certa "estrutura oblíqua", pautada na pesquisa e na experimentação, para produzir "experiências específicas" - infelizmente, assim como a chilena que a antecedeu, Míren fala também em ritmo bem acelerado, dificultando a compressão total de seus enunciados. Como diferencial, a espanhola levanta algumas ressalvas possíveis ao formato "residências artísticas": defende genericamente que esse modelo deve manter uma reflexão permanente sobre sua própria dinâmica, se possível agregando ainda alguma instância geradora de benefícios reversíveis para a população do local/cidade que abriga o programa. "Uma rede de resistências precisa de participação", afirma. Alonga-se sobre como deve ser estruturado um programa ou plataforma de residências; de modo geral sua fala trata de uma análise do formato "programas de residências artísticas", tanto como diagnóstico quanto como tentando buscar possibilidades e alternativas desejáveis para o modelo.

A mesa é encerrada e rapidamente reconfigurada informalmente com Alessio Antoniolli, diretor da Triangle Arts Trust/Gasworks de Londres, com Carla Zaccagnini sendo chamada de volta; e Míren Eraso, que permanece. Pela primeira vez até então, a platéia tem a oportunidade de se pronunciar. A essa altura, o teórico e curador catalão Martí Peran, que havia participado via internet da conferência ocorrida no período da manhã, junta-se à discussão, novamente em comunicação virtual simultânea.

Surge uma longa colocação – realizada por uma jovem que não se identifica – em torno do mote "o modelo residências", mais analítica do quadro comum a quase todos os participantes do evento que efetivamente argumentativa ou questionadora. Em seguida, Alessio retoma a fala matutina de Martí Peran e seu comentário ao formato residências como "espaços produtivos", ressaltando a necessidade de se dissociar "produção" de "produtivo", no sentido de atender a demandas de commodificação, ou produzir objetos de consumo. Carla também problematiza questões de base em torno do formato, indagando em última análise o que leva afinal um governo a financiar um artista para ir a seu país realizar uma vivência artística – não que ela esteja objetando: ela própria já experimentou essa situação por diversas vezes. O assunto é debatido livremente por alguns minutos. Antoniolli busca então assinalar as diferenças, ou especificidades de público de uma residência artística e o de uma exposição em museu; ressalta que no primeiro caso o público é mais participativo, quando não constitutivo da proposta [o "produto" que não é objeto] que no outro, mais "convencional". Segue-se uma série de colocações e apartes – mais depoimentos que perguntas – de ordem cada vez mais específica, envolvendo sempre o tema residências, a serem detalhados em outro relato.

 

Guy Amado